Estava
sentado em frente a seu computador ouvindo música, com fones de ouvido a prova
de som, sentado na sua cadeira de escritório, aquelas com rodinhas e estofado
azul. Pela janela via alguns jovens fumando maconha nos bancos da praça.
Entendia que aquele ato era quase como que uma aventura pros maconheiros,
viajar sem ser pego pela polícia. Estava conectado pela vigésima hora
consecutiva no seu perfil de rede social. Social? Vá entender. Encarava aquela
atividade como algo normal, como que estar conectado com os seus “amigos” o
tempo todo. Certa feita encontrou um amigo na rua, com o qual falava muito pela
internet, e a única coisa que disseram foi “Ah, eu vi que você curtiu a foto
que eu postei...” “Aham, foda!”. O silêncio brutal tomou conta após isso. A
vasta rede de pessoas com as quais estava conectado mal encontrava no seu dia a
dia. Perder o contato virtual era difícil. O contato virtual era algo como que encaixotar
pessoas que um dia foram importantes, que fizeram-no rir, que abraçara... mas
não é assim a vida? Desejou certa feita que fosse possível apertar um dos
botões a fim de materializar determinada pessoa de sua rede social, em vão
sabia que estava desejando utopias. Tal qual quando, cansado de esperar digitou
em um buscador na internet “Onde ela está?”. Buscou também “o que ela está
pensando?”. Os milhões de resultados nada correspodiam a sua realidade, porém
existia algo doce dentro dele que dizia que em breve tal recurso estaria
disponível. “O que passa na mente dela?” BAM, em 0.07 segundos, milhões de
resultados, pesquisados diretamente no alvo desejado, extraídos da mente do
objeto de seu desejo. Surgiriam páginas e páginas com o conteúdo do tipo
“Preciso levar o cachorro na rua” ou “Que tédio, queria que alguém me ligasse”
ou ainda “Estou com medo do que irá acontecer, afinal”. Sim, sem sombra de
dúvidas existirá um dia que essas tais ferramentas estarão disponíveis. E aí
nada mais o impedirá de ser feliz, pois terá acesso irrestrito a todos os
segredos mundanos e do interior mais íntimo da alma humana. Terá ainda acesso a
informações do tipo “devo eu levar tal situação adiante?”. O mundo virtual terá
todas as respostas aos mistérios bobos e frívolos da humanidade e de seus
intelectos limitados. Uma vez que tenha olhado uma foto compartilhada na sua
página, os comentários mentais feitos acerca da mesma serão instantaneamente
registrados e publicados. Tal fato
causará um alvoroço e por fim quedará a hipocresia. Falar-se-á de tudo e de
todos exatamente o que se pensa, através da manifestação de seus mais sinceros
pensamentos. E talvez a mentira acabará, findando o gracejo, o flerte, a
amortização, a empatia, sobrando o torpor. Uma máquina esganiçada começará a
berrar quando quiserem apagar os registros de seu perfil, pois a coletânea de
tais dados possibilitará traçar o seu perfil psicológico auxiliando melhor a
venda de produtos direcionados aos seus individuais alvos. E sem perceber
entraremos como loucos dentro dos carros a procurar um recanto, isolados do
mundo, onde só o eu, o computador e as linhas tênues e invisíveis que nos
conectam serão importantes. E o toque, e o velho, e o cheiro, e a camaradagem,
e a mentira velada, e a flor sépia do amor, e as tórridas paixões, e os
burburinhos quando uma mulher passa, e a fina elegância de um violão tocando
Tom, e os livros impressos, e a morte, e os bebês e as crianças, e a sua compania,
e o teatro da traição, serão coisas do passado. Enquanto o mundo gira num
furacão rumo ao esquecimento.
quinta-feira, abril 04, 2013
segunda-feira, abril 01, 2013
Sobre a teoria do flogístico
Olhando os acessos frequentes do
meu blog, tenho me deparado com algumas pessoas que entram por aqui, através de
uma busca no google sobre “teoria do flogístico” “teoria do flogísto” e similares.
Senti a necessidade de escrever brevemente sobre isso, mais como exercício
pessoal de saber qual a função desse blog na rede. Na verdade a função dele é
muito limitada, uma vez que eu tenho em média 6 acessos por dia (muito ruim,
né? Haha). E do total de acessos, quase 30% são de pessoas que encontram meu
site por ferramentas de busca on-line, como expliquei brevemente acima. O fato
é que, as pessoas que estão a busca do conteúdo sobre a desbancada teoria do
flogístico de Stahl, sentem-se em um lugar que aparentemente nada tem a ver com
a tal teoria, com textos, curtos e outros mais longos, sobre a vida o universo
e tudo mais.
Então vamos por partes. A teoria
do flogístico é uma teoria desenvolvida por George Ernst Stahl, por volta de
1650 e alguma coisa, que dizia que todos os corpos combustíveis (leia-se, tudo
que pega fogo) eram dotados de um elemento chamado flogísto, que seria liberado
ao ar, após sua queima. Os materiais orgânicos exemplificavam muito bem essa
teoria, uma vez que quando se queima, por exemplo, uma folha de sulfite, esta
se reduz a cinzas (basicamente composta de carbono) de massa muito menor que a
original. Entretanto, existia um ponto fora da curva, os metais. Ao submeter
diversos tipos de metais a queima estes aumentavam sua massa, ao que hoje se
atribui a uma oxidação. O ponto é que os óxidos metálicos possuiam massa maior
que seu antecessor. Para explicar tal feito, incluiram na teoria o fato de que os
metais possuiam um flogísto que conferia massa negativa quando incorporados, e
dessa forma, ao serem liberados com a queima do metal, o que vocês acreditam
que aconteceria? Exatamente, o produto da queima, agora sem o flogísto de massa
negativa, possuia massa maior. Entendam que esse pensamento, como teoria, era
apoiado pela majoritária parte da comunidade científica. É obvio que a teoria
possuia falhas, mas na ausência de explicação melhor que lhes valesse, a teoria
do flogístico seguiu por muitos anos com crédito. Estamos em 1659, não se
esqueçam.
Desbancar uma teoria científica é
algo que demanda esforço, dedicação, trabalho insano, criatividade e
curiosidade no mundo natural. E normalmente, a nova teoria segue por muito
tempo ainda como filha bastarda, renegada e com poucos apoiadores.
O meu blog, ou esse rascunho de
blog, versa exatamente sobre este contexto: teorias são, acima de tudo,
aproximações da realidade. Exatamente: aproximações. A mais sofisticada teoria,
inclusive a mais nova teoria sobre o bóson de Higgs, ou partícula Deus (para os
sensacionalistas da catastrofísica), é uma APROXIMAÇÃO de uma realidade ou de
um evento natural ou de um sistema. É inútil demandar esforços para saber a
natureza última de cada coisa. Qual a natureza última dos gases, estudados
desde os meados de 1750? Não há. Não existe pelo simples fato de que os
cientistas podem sempre fazer perguntas acerca de algo que já lhes foi
explicado. Um bom exemplo foi o desenvolvimento da teoria da mecânica quântica,
que começou com evidências desde o efeito fotoelétrico, de Einstein, e da
radiação do corpo negro, de Planck, até o desenvolvimento de modelos atômicos
de Bohr e, futuramente consolidado por Erwin Shcrodinger e Heinsenberg, entre
outros. Isso remete-nos ao fato de que uma teoria, que trata-se da prova experimental
de um postulado (idéia) gerada na cabeça de um homem (generéricamente falando,
para os sexistas de plantão), é dinâmica e mutável. Ela segue através dos anos
como cria de seus idealizadores e se perpetua, caso tenha devida importância.
No caso de Stahl, sua teoria foi desbancada por nada mais nada menos que Antoine
Lavoisier, considerado por muitos como o pai da química moderna e dono da
máxima: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Através
dos estudos de Lavoisier descobriu-se um elemento até então oculto as mentes
científicas da época, que possuia papel fundamental na combustão de qualquer
coisa: o oxigênio. Lavoisier constatou que a combustão de materia orgânica ou a
calcinação de metais provinha da interação destes com o oxigênio, presente no
ar que respiramos (de brinde ainda surgiu o estudo sobre a importância deste
elemento na respiração dos seres vivos).
Esse é o mote do que eu penso
sobre a ciência e sobre a interação humana com qualquer coisa. Olhando a foto
de capa do meu blog, um grupo de amishes que tive o prazer de fotografar em uma
viagem ao Niágara, estão olhando por um binóculo (desses que você põe uma moeda
de 25 cents e não ve quase nada). A vista na outra borda do Niágara é a cidade
de Ontário, no Canadá, cheia de prédios altíssimos, desenhando um skyline quase futurista. É de fato
assim? Não sei, mas é a impressão que se tem olhando deste ângulo. Talvez ainda
mais para os amishes, que possuem uma realidade muito diferente da vida
ocidental convencional. Outra impressão teríamos se ao invés do binóculo sobrevoassemos
a cidade de Ontário em um voô de helicóptero, ou ainda se cruzassemos a
fronteira para bater perna do lado de lá. Os pormenores e os detalhes mudariam amiúde
nossa impressão inicial e uma nova realidade se criaria. Essa realidade não é
estática e sim dinâmica, uma vez que, se por convite de uma empresa, viessemos
a morar em Ontário, a trabalho, outra impressão se criaria e assim por diante.
Estamos cercados de exemplos
desse tipo. É só pararmos pra pensar. Quantas teorias são desbancadas para dar
lugar a algo novo ou apenas uma interpretação mais acurada?
Tá e onde entra a literatura
nisso tudo? Nesse contexto, a literatura diverge da ciência em situações diametralmente
opostas. A literatura é ficção, invenção da cabeça de um ser, que pode ou não
conter fatos verdadeiros, impressões pessoais e afins, porém trata-se de um
texto que não necessita comprovação e mais, não remete a expressão individual
do autor. A ciência e as suas teorias são FATOS, fatos que passaram por experimentação
rigorosa feita por instrumentos e afins. A literatura não pode ser contestada,
a teoria sim. A literatura não possui compromisso com a verdade, a teoria sim.
A literatura não cumpre propósitos e não pretende deixar o mundo organizado, a
teoria em parte sim. A literatura não é porta voz de verdade ou de ideologias,
a teoria por vezes é.
Tendo dito isso, é importante
salientar que a teoria e a literatura tem em comum uma coisa: Saem da mente
humana e de suas interações com o ambiente, filtradas pelo intelecto. Ambas são
aproximações da realidade. É claro que os puristas de plantão vão querer minha
cabeça neste momento. Porém, entendo que os textos que publico neste blog são
uma aproximação da realidade em que eu vivo e absorvo de diversas formas, mas
que cada um faça sua própria interpretação. Que cada um os viva de forma
diferente e única. Pois assim como na ciência, não existe natureza última de um
texto, de uma prosa, de uma poesia. Há quem diga que a placa situada na frente
de todos os elevadores com os dizeres “Antes de entrar no elevador verifique se
o mesmo encontra-se parado no andar. Lei Nº 9.502, de 11 de Março de 1997” trata-se de literatura. Eu mesmo me indaguei “Por
lei, devo verificar que o elevador está no andar antes de entrar? Deus!! Quem
fiscalizaria tal absurdo”. Entretanto a lei versa sobre o fato de que todos os
prédios que possuem elevador DEVEM possuir tal placa afixada. Pois é, a minha
interpretação é a literatura. O que a placa quer dizer, é o fato.
Obrigado, caso alguém tenha lido até aqui. E de agora em
diante, espero que os interessados na teoria do flogístico se interessem um pouco
também por textos e outras leituras, sobre tudo um pouco.
José Carvalho, Bacharel em
química pela Universidade de São Paulo. Atualmente aluno de doutorado na
Universidade de São Paulo, pobre e falido, como todo pós-graduando.
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