Eu observava uma árvore hoje. O
vento batia nela, balançando suas milhares de pequenas folhinhas e suas
centenas, talvez milhares, de florezinhas amarelas. Ela balançava calma e
resoluta na certeza de que balançar ao vento era a melhor e única coisa que ela
poderia fazer em sua sólida e determinada resignação. O vento também me
atingia, mas como eu o sentia? O vento me balançava? O vento me acalentava? Me
ninava? Eu ajeitava o cabelo toda a vez que o vento me bagunçava. A árvore não.
Eu queria tanto ser aquela árvore. A árvore não sente o que eu sinto; essa
mistura de óleo de motor quente e essência cítrica, ou lavanda, em meu coração.
Essa coroa de espinhos decorada de alecrim e carvão. Esse vapor de pinho. Esse
cheiro de excremento humano derramado na fundação da existência terrena. Essa incrível
vontade de sumir de vez, para sempre, e aparecer daqui alguns instantes. Sumir,
deixar de existir e logo voltar a viver. E nesses milissegundos de um átimo de
tempo, apenas não existir. Existir me cansa. Me cansa demasiado. Me cansa mais
do que imaginas. Eu fiquei ali querendo ser aquela árvore, enquanto fumava meu
cigarro. Eu pensei que eu queria outras coisas também. Queria escrever, queria
ser calmo, resoluto, e possuir tranquila resignação tal qual aquela árvore. Queria
não ser aquela saudade toda de tudo. Eu queria ser menos dramático, queria
sofrer menos, queria não sentir tanto as coisas. A árvore não se cansava e eu
estava tão cansado. Quando eu fosse a árvore eu seria, apenas. Eu não seria
feliz, nem triste, nem melancólico, eufórico, didático, patético, previsível,
bobo, lindo, feio ou negro. Eu seria. Apenas seria. Eu não seria solitário,
pois a árvore não é nada além do que é. Eu não teria meu peito esmagado por uma
solidão que apenas um utópico amor de domingo poderia me salvar. Eu olhei pra
mim mesmo no gigantesco espelho do mundo e me vi atarefado, ocupado, culpado,
morto-vivo. No gigantesco espelho do mundo as pessoas passavam para lá e para
cá, com grandes pretensões e talvez um ou dois sonhos. O gigantesco espelho do
mundo é como um lago de infinito horizonte que dependendo do ângulo visto dá a
sensação de pouca perspectiva. Mais se sobrevoares sobre o gigantesco espelho do
mundo verás as pessoas indo e vindo, existindo; todas conectadas por frágeis
fios invisíveis; todas sendo eu ou nós. Eu cheguei só ao gigantesco espelho do
mundo e ninguém parece perceber minha presença, e daí eu fico olhando o ir e
vir das pessoas. O infinito ir e vir das pessoas. Uma vez estando na superfície
do espelho, caminhei até a margem oposta, por eras e mais eras e nada nem
nenhuma coisa familiar me ocorreu, a não ser todas as pessoas e seus ires e
vires. Meu corpo sentia frio, fome e sede. Mas nada havia, além do gigantesco
lago azul celeste. Quando eu cansava de andar me deitava em sua superfície e
boiava em suas águas vítreas por segundos ou anos. Eu caminhei atrás de algo cruzando
o gigantesco espelho do mundo. Quando enfim na margem oposta, havia uma pedra
enorme e antiguíssima, pois tinha crostas de limo sobre ela. Esse enorme objeto
sólido pairava plácido sobre a superfície liquida do gigantesco espelho do
mundo. Encravada e firme. Eu lembrei de ti, e do meu cansaço. Eu lembrei de
nós, da humanidade, e me prostrei de joelhos ao lado da pedra, exausto de
caminhar por tantos séculos, e toquei com a palma da minha mão a superfície
gelada e rochosa. Nada aconteceu. Por um instante ou séculos nada aconteceu.
Não sei ao certo o que iniciou o evento, talvez um revés de uma gota de saudade
subindo do lago, ao meu rosto, mas não sei ao certo; o vento, o mesmo que
balançava a árvore, soprou de norte a sul, e desfez o rochedo derrogado em
milhões, talvez bilhões, de dentes-de-leão coloridos, cada um deles da cor do
nosso amor. Enfim, finalmente. Do cor-de-rosa ao púrpura, do amarelo sol, e do
azul mar, as pequenas e numerosas partículas voaram com o vento para talvez semear,
através das águas, os sonhos de toda a gente, na minuciosa conexão humana. Dentro
de mim existe uma árvore, mas eu ainda não a encontrei, pois ela não é ego, ela
apenas é.