quarta-feira, outubro 16, 2013

Flor de papel crepom azul



Descendo pelas brancas falésias de Albion, eu pensava em nada. Algumas poucas coisas pululavam em minha mente, de natureza aleatória e cíclica. O veículo me conduzia por reinos e destinos diversos. Por quais caminhos e por onde iremos parar talvez seja uma pergunta muito complexa. O clima era quente e ameno e as pessoas se espremiam na charrete. Eu pensava que deveria estar pensando em algo. Que tudo que havia acabado de acontecer deveria me avivar as memórias mais profundas. Porém, nada. Nada me ocorreu por um bom tempo. Eu ficava pensando em Dom João V, e o que ele estaria pensando no momento. Talvez em alguma bobagem, frívola, que imediatamente o levaria a preguiça, ao tédio, e ao desejo em freiras do convento da capela real; que se entregavam por obrigação, gemiam, suavam e faziam prole; que tornavam-se freiras que por sua vez davam a luz a novos filhos bastardos que habitariam o palácio do marquês de Louriçal, na zona Palhavã. Pensamentos encíclicos em caminhos bifurcados, que bifurcavam novamente mais à frente, de novo e de novo, cento e noventa e seis vezes, retornavam; e eu me dava conta do labirinto em que habitava. Arrebatado pela calma resignação, eu cumpri boa parte do caminho sem que ao menos um pensamento persistisse em minha cabeça; fiquei pensando talvez em por que o rio chamava amazonas, por causa do estado ou o contrário era verdadeiro, num se-e-somente-se, talvez. O rio correu e desceu a ribanceira, me atingindo com força. O tempo todo, todo o tempo. O tempo é sempre. Comecei a reconhecer as veredas de minha mente cada vez que passava mais de uma vez por um lugar, por uma porta gigante de carvalho maciço – que atrás abrigava dois tigres em um saguão de pedra lisa; um laranja e um branco, ambos rajados – por paredes sólidas e frias, por brumas elétricas. Reajustando e recalculando meu caminho. Eu lembrava muito bem de um homem com feições de um réptil quelônio, nariz gordo e com marcas do tempo, feito pequenos buracos, quase careca e parecendo tediosamente caridoso. Ele ficou horas e horas – cento e noventa e seis horas – falando coisas incompreensíveis a mim, outorgando, constituindo, previsto nos ditames, incluso na minuta, inscrita no número dois cinco quatro sete dois, mil vezes. Eu via a boca do homem mexer, eu via outro homem sentado na mesa atrás, indiferente ao mundo ao redor. Eu olhava você chorar. Às vezes tossia. Eu não soube o que fazer, minha mente simplesmente não soube.
A mente ia longe já. Estávamos os dois sentados numa mesa em frente a um restaurante qualquer na Avenida Sarandi, em Montevidéu, tomando uma taça de cerveja e apreciando o vaivém das pessoas, algumas apressadas, outras calmas e sorridentes. Alguns grupos de jovens passavam fazendo estardalhaço falando em castellano, que soava como romance aos ouvidos. Nada fizemos para mudar o mundo naquele instante, apenas existimos, lado a lado, neste fragmento de tempo. Acho que no tempo anterior, que era o presente, também estávamos lado a lado. Existimos para tudo de uma vez, numa esquina. Você parecia linda e eu parecia feliz; por hora realmente devo ter acreditado em tal façanha de Deus e me julguei um viajante do tempo. Nesse dia em particular, no qual vivia presentemente, porém já estava incluso num passado truncado, ficamos ébrios, andamos feito loucos, da praça da independência até o porto – comemos um naco de carne que assava ao lado de grandes pimentões vermelhos e amarelos numa churrasqueira de um quiosque em um mercado bagunçado e escuro. O som de um saxofone melancólico soava no ar e um casal ao lado dublava baixinho “No importa la razon para amar te”. Uma sensação de choque elétrico percorreu minha espinha e de repente vi, em apenas um dos meus olhos, uma flor de papel crepom azul.
Você estava ao meu lado ainda, ou talvez fosse mais um pedaço de passado truncado no meu presente, que dessa vez nem mesmo sabia onde se encontrava. A flor de papel crepom azul era feita à mão por crianças de rua que trabalhavam forçadas nos desertos da pobreza da América. Não tinham valor. As flores de crepom azul são antagonistas de si próprias. Frases aleatórias sobre teorias teológicas me recordaram da dualidade do mundo; onde há um bom, haverá um mal, onde há um tigre, haverá um dragão, para cada defeito teu, há uma qualidade que os anulam, e no céu deverá tudo ser balanceado em perfeita harmonia, pois os próprios sábios da babilônia já preconizavam tal pensamento desde o século III antes de cristo. Dessa forma, eu tive uma epifania, e me prostrei diante de tal; para cada flor de crepom feita por uma criança de rua seminua e de rosto sujo, uma flor nos jardins da América nascia.
Eu estava titubeante entre o passado e presente entrelaçados entre si. Mas voltamos ao nosso papo, na Avenida Sarandi, porém de canto de olho eu vi um homem velho abordando duas crianças e metendo no bolso o pouco dinheiro que eu acabara de lhes dar. Eu me lembro que voltamos a nossa hospedaria, naquele dia, que é hoje, e abrimos a janela que dava frente a estátua do General Artigas. A noite ia alta e quente e nos amamos como dois namorados, pois beijei-lhe a boca e disse que a amava, em seu rosto e em seu corpo, enamorado. Eu lembro muito bem de cada detalhe, real ou inventado, daqueles dias, que são hoje, o camaleão andando calmo nas terras agrestes dos jardins, os cachorros de rua, o cachorro empalhado, o sol, o sol... O rio da prata, as praias, o delírio, as bicicletas, o vento, o chivito com ovo extra. A flor de crepom sobreviveu à passagem rigorosa dos dias, em uma pequena botella de alumínio, no lado esquerdo do meu cérebro. Ela ficou ali parada, enfeitando o ambiente e minha memória. Nossos amores passados, nossos próprios amores passados, que foram agora. Nosso sangue latino-americano. Ela tomava sol e não crescia. Ela não precisava de água. Mas eu me lembro do cheiro do ar, e de seu perfume vez em quando, nesses dias de sábado ensolarado, que é hoje. Lembro em como os sorrisos pairavam nos recantos bem cuidados de uma América quase européia. Numa sonata alegre passei a ouvir: “Já não cantas, já não vibras, já nem existes mais, pobre de ti. Pois se não existe em mim, pois se fugistes das agruras do meu universo, já nem existe mais, em canto algum.” Pois assim é a realidade humana, pensava, de expurgar o som o cheiro e o gosto, do tango da pele e da carne, e seguir.
O meu segundo momento de epifania me fez tremer as pernas; por Deus, a dualidade do homem e da ciência, das partículas e das ondas, das mitologias e da história; Haveria então uma flor de papel crepom vermelha para cada flor de papel crepom azul. Eu sentei e chorei. Não de desgosto ou descontentamento, mas de pura e inextrincável saudade.
Eu apertei a sua mão, mas não tive coragem de te olhar. E segui. A flor de crepom azul eu trouxe comigo e a vermelha talvez ainda exista, em algum lugar, mesmo que em um tempo diferente desse que lhes falo. Talvez esteja, ou seja, desbotada, rasgada ou rabiscada com nomes e telefones, corações transpassados por flechas e desenhos felizes. Talvez esteja escorando uma foto de alguém. Talvez dentro de uma sacola, num fundo de armário. Eu não sabia. A minha jaz em uma caneca de porcelana e eu por vezes acho que é de verdade, porém não tem espinhos; tentei aguar-lhe uma vez, mas em súbito lembrei que iria morrer com meu cuidado excessivo; lembrei que adubar não era necessário. Ela jaz saudável e intacta, sem pegar sol, sem emitir odor, sem atrair insetos, sem apodrecer, sem murchar nem secar. O lado mais bonito das flores de crepom é que, apesar de falsas, não morrem.

segunda-feira, agosto 26, 2013

Doce



A luz entrava pela janela, filtrada pelo vidro, composta de uma mistura híbrida entre o luar e as luzes artificiais, fracas e levemente azuladas. As suas ondulações de diferentes naturezas tocam-lhe a pele e imprimem uma certa pressão fazendo com que a resistência da mesma a torne ainda mais profana e ansiando contato. A linha de seu perfil, deitada dessa forma, confunde-se com a de um tipo de animal, o animal humano, exalando uma aura carmim. Inspira vagarosamente o ar como se quisesse sorver molecularmente toda a atmosfera do momento, dentro e fora, dentro e fora, repitidas vezes sem formato de invólucro qualquer. Os olhos, ora semi-cerrados, contrastam com a pupíla dilatada desenhada em círculos concêntricos perfeitos, petrificados, loucos e de doçura, num misto sem proporções fixas e definidas. O leve tremor de seu corpo, quase imperceptível a incauto navegante, denota que adentrei por entre as brumas do desconhecido, desbravo terras rudes e selvagens, que escondem nada além do que queres esconder-me, num mistério rasgado e espesso, que me enlouquece e me excita e me vive. Articuladamente respira pelo corpo, morde minha boca com força e delicadeza, desliza sua língua hábil na minha, enleiando-se numa fúria voraz, ora macia, ora tórrida, ora branda. E aspira-me o torso, como se precisasse guardar minha essência em algum lugar intermediário entre seu pulmão e seu ventre. Os sabores naturais de seu corpo necessitam ser trasferidos quase que osmóticamente para os meus sentidos, e degusto deles e você maléficamente retribui, gemendo baixinho, respirando curto e morrendo devagar. Indocilmente me repele e me afasta para que a força que exerço seja maior e meu corpo pese ainda mais sobre o seu, causando-lhe sensação de submissão conquistada, cedida, permitida nas regras inventadas ali mesmo por nós. Toco-lhe o corpo com devoção e desrespeito, juntos e entrelaçados, e seu quadril move-se por vontade própria, buscando minha mais genuína ereção, composta de desejo e impulso, prestes a lhe causar bem e mal, deixando-te cada vez mais ávida e pulsante. Sinto suas cores, claras e pálidas, levemente brilhantes, e dentro de ti a angustia aumenta e arrefece, espremido pela força de suas coxas, pela combinação meticulosa de nossos movimentos, e acaba em catarse lenta e duradoura, expurgando tudo que te – nos – fazia hesitar, destruindo os véus. E dentro dos seus olhos eu vejo toda malícia que quer me ofereçer, e o mundo que goza-te, que te celebra, é afortunado. Sou grato e desfaleço em ti, e a tua imagem junto a complexos mosaicos coloridos formam um presságio de que recomeçar tudo de novo é necessário, quantas vezes for preciso, pra te matar dentro de mim, só um pouco. Congratulo-a, porém sei no meu mais íntimo que não me lê por completo. E temes, és cauta e diferente, e mulher, um pouco minha ao menos.


Departures N.1 by Dustin O'Halloran on Grooveshark

domingo, maio 26, 2013

Já na ida, e na volta.



“Não faça da nossa estória uma ex-tória”


De nascença sou paulista. Paulistano, termo preciso. Minha mãe também, nascida por aqui em algum lugar da zona norte. Ela me contava que quando criança lavava roupa no rio e eu fico hoje me perguntando que tal rio seria esse com água limpa, pra se lavar roupas. A cidade de São Paulo seria incrível se nossos rios fossem limpos, como Paris, como as vias européias em geral. Adotamos normalmente, dos europeus, só o que não nos vale. Minha mãe dizia também que quando moça, seu passatempo com as irmãs, era ir ao circo, e contando-me essas histórias ela fazia uma pintura na descrição, embaraçando as cores vermelhas e amarelas das tendas, com o cheiro dos animais e as apresentações dos Demônios da Garoa. E eu fiquei pensando um pouco, tecendo na minha imaginação, um cenário louco e bucólico, de trás pra frente, onde um palhaço, dando os braços para o ar e sorrindo maniacamente, cantava trem das onze e corria em direção ao público, onde uns riam e outros choravam, de espanto. Ela contava que naquela época era muito comum fazer festa junina nas ruas e ela passava bom tempo com as irmãs recortando bandeirinhas, que seriam presas a barbantes, e por fim enfeitariam os arcos de bambú que passavam de um lado a outro na rua. Fogueira grande e quentão, frio de época. Vez em quando, por aquele tempo, aparecia o tio dela e estacionava o caminhão de carga, sujo de barro do Brasil, e ficava um dia ou dois. Esse homem era tido como um dos mais brutos de toda região e fazia fama com sua crueldade e vilania. Lembrava minha mãe que um dia ele arrancara a orelha de um homem com um único soco, e eu dizia que aquilo era impossível, mas ela replicava, dissertando que seu punho tinha a força de um coice de burro chucro. Que imagem terrível e de triste solidão que fiz de meu tio-avô, temperada com dias de violência e aventura, nas estradas a fora ouvindo uma radiola velha e fumando cigarro sem filtro. E não me lembro ao certo, mas esse meu tio-avô, segundo minha mãe, tinha corpo fechado. Desses tipos que nenhum sincretismo atinge, ilê, ilê camará, nem despacho nem raiz de maniçoba, nada derruba tal cristão com suas rezas e seus guias. Não cheguei a conhecê-lo, nem a seu pai, meu bisavô, que era homem sovina e misantropo. As vezes fico imaginando que vingamos pelo tempo, ao sabor da sorte e do vento. O cenário todo posto em perspectiva de lavadeiras e donas de casa de visão débil pela neblina das cinco da manhã e pela ignorância do androcentrismo natural da década de cinquenta me traz qualquer coisa de familiar ainda. Ela diz sempre, baixinho e com carinho, que o que ela viveu de ruim não quis passar pros filhos, e sem saber me inclui gentilmente no abraço de sua sabedoria. A todos nós, em fato. 



Meu pai vem de cima, como dizem, Pernambuco. Estado lindo, de Recife à Olinda, belezas e cultura, antigo e novo, cores dos carnavais e dos bonecos de gigantes de braços frouxos a pairar na multidão. Porém meu pai vem de região afastada no estado, alguma coisa perto da Bahia, onde antigamente era uma passagem dos missionários que pregavam para população ribeirinha. Uma semelhança com as histórias de minha mãe é o tal do rio, que meu pai me dizia ir pescar quando criança, de manhãzinha, quando o ar ainda não estava quente. Ele contava bem devagar das suas molecagens dos tempos idos, em que pegar goiaba do lado de lá da cerca era sentimento de liberdade, e que juntar três ou quatro amigos para passar a perna e derrubar a professora era motivo de riso solto, e valia a pena o castigo. Meu pai é de dia de São José e tem santo forte. Veio ao mundo numa casa de taipa na beira do rio, como o caboclo das matas, e criou uma fita ligando sua origem até São Paulo, fita acetinada escrita Nosso Senhor do Bonfim. Criou cinco filhos e trabalhou por sete homens, amou por vinte e cinco. A mãe dele disse que nenhum cobertor é curto para os nossos corações quentes. É um algo de dar, dar muito, as vezes até sem sinceridade. A mãe dele dizia que ele nasceu tão rápido que ninguém percebeu. Ela estava sozinha na casa, o marido na lida, e pediu pro meu pai buscar um pouco de água de rio e quando ele voltou já tinha nascido. É confuso, mas é estória. Minha vó tem as mais insólitas, inspiradas talvez em algum escritor de cordel que se perdeu nas tramas do tempo. Certa feita, contava ela, na beira do rio ela viu uma dança de peixes pratedos que voavam por cima das águas, rente a superfície, e eram brilhantes à luz da lua. Na escuridão da noite era possível ver a silhueta de um homem, na margem oposta, tocando uma música de feitiço no acordeão. No dia seguinte encontraram milhares de peixes à margem do velho chico, que foram coletados com a alegria esperançosa do milagre. E eu fico pensando que minha vó é qualquer coisa como de outro mundo, mistura de coisas, pimenta dedo-de-moça vermelha e graúda sobre tábua de madeira rústica. É doce, severa e diligente. Diligência que meu pai herdou. Acho que talvez eu tenha falhado nesse ponto, mas sem querer meu pai ensinou-me a maior lição, sobre a segurança de nossos atos pensando no futuro. E me envolve com sua matuta solidez.


Pensando não tão longe, eu me via correndo descalço nos quintais de cimento queimado. Tínhamos uma árvore de tronco apodrecido, que durante a primavera despencava de coquinhos amarelos, bem redondinhos, minha mãe dizia pra gente que eram venenosos. Claro que um dia eu comi um, só pra verificar a veracidade do dito. Tínhamos um cão. Tínhamos um tanque de pedra. Tínhamos aranhas, muitas aranhas. Tínhamos uns aos outros. Tínhamos uma serra de fita que meu pai usava para fazer espadas e carrinhos para nós, nas horas vagas, usando sobras de chapas de compensado. É simples, é muito simples. Fico pensando nas análises combinatórias que faço mentalmente sobre quantas pessoas são parecidas comigo, conosco, e as combinações são tantas e infinitas, mas ainda assim únicas. 

O dia de hoje foi curioso, eu levantei e me banhei, tomei duas xícaras de café preto, o que talvez explique o bater dos meus dentes. Abri todas as janelas, buscando o ar da primavera e nele encontrar, por sorte, alguma identidade com algo que não mais possuo. Após alguns breves minutos sentindo o vento lambendo-me as faces eu pensei ter adormecido de novo. Foram três batidas suaves na porta que num primeiro momento me fizeram dúvidar da minha audição. Quem haveria de ser? Abri. Pedi que entrassem. Meus fantasmas do passado vieram me visitar hoje, bem cedo, mas aos poucos vão se desvanecendo, com suas cores pálidas, roxas e verdes. Mas eu insisto, na minha solidão rasgada, para que fiquem, pois estou preparando um chá.

Foto: José Carvalho

O Velho Francisco by Chico Buarque on Grooveshark

quinta-feira, maio 23, 2013

Sobre estados de transitoriedade evolutivos.



Tudo começou com uma conversa despretensiosa entre eu e um grande amigo, enquanto tomávamos uma cerveja, e falávamos sobre a vida e coisas do tipo. Era um dia de grandes conquistas, pelo menos para esse amigo meu. Essa conversa despretensiosa era sobre o estado transitório, ou seja, não permanente, da paz e da calmaria nas pessoas do mundo moderno. Parece chato para uma conversa entre amigos, e talvez seja mesmo, mas as vezes odiar o mundo por algumas horas e duvidar de todas suas crenças e certezas, tomando algum álcool de preferência, nos faz sentir melhores para seguir adiante. Pois bem, não divergindo do assunto, estávamos falando sobre a paz, e lhe garanto, como garanti ao meu amigo em nossa conversa, que o ser humano não busca paz, e por vezes até a rejeita ou adia. Isso causou-lhe uma certa perplexidade, que pediu mais explicações, pois como não haveríamos de buscar a paz, se esta traria igualdade, sem vítimas de guerra e sobretudo com oferta de recursos a todos. Eu lhe disse que devemos pensar no ser humano como ser inquieto e pensante. O ser humano é único bicho que se exercita por conta própria, enfrentando academias lotadas, e ainda por cima pagando por isso, apenas para melhorar a aparência. O ser humano possui diversos passatempos, filmes, teatro, jogos, cartas, videogames, internet, redes sociais, sexo recreativo, imaginação, que em parte atenua o tédio das nossas existências. Porém, quando esse tédio chega a níveis alarmantes, o ser humano precisa perturbar o ambiente, causar intriga, irritar, provocar e agredir, sem nenhuma outra razão a não ser espantar a pasmaceira, mudar o cenário da quietude, varrer a estagnação. E com isso fazemos surgir o risco e conseguimos dias de mais aventura. Como já dizia Eça de Queiroz “É a paz que, dando os vagares da imaginação - causa as impaciências do desejo”. E, de fato, isso pra mim é um mantra e já foi repetido muitas vezes anteriormente por diversos pensadores de grande porte como Vergílio Ferreira e Dostoiévski. Porém, me intriga em fazer uma conexão deste comportamento com a própria evolução da espécie humana. Vejamos um claro exemplo, se o desejo mais interior do ser humano não fosse a guerra, não teríamos ambições, o mundo seria um único império, e ouso a dizer que grandes impérios nunca seriam desfeitos, pois da inquietação e do desafio vem a quebra do jugo da escravidão e dos cabrestos e dos tabus. A paz é estado ilusório, ela não existe de fato; existe como conceito ou ainda como algo a ser alcançado, conquistado, como um Éden, sentar num morro verde ao lado de um cão alegre e olhando o céu azul, balançar na rede e sentir a natureza beijando-nos a face. A paz é para ser conquistada. E uma vez conquistada o que vocês acreditam que acontece levando em consideração nossa natureza? Nós não gostamos de conquista, mas de conquistar. E logo em seguida, outra guerra perturba-nos a alma. Não seria então um estado evolutivo de todos nós de buscarmos sempre a própria degradação para ressurgirmos melhores, mais adaptados, mais pensantes, mais agudos, com mais recursos. Sem a nossa inquietação nada seria como é, não teríamos os grandes prédios, as grandes construções, as revoluções de classe e de credo e das raças, não teríamos as grandes paixões, os furtivos adultérios, e não se entenderia o poder libertador de se encontar miserável e ainda assim buscar dias melhores. Inclusive nas áreas das artes e das ciências, as grandes produções e descobertas advém de um periodo de guerra ou pós-guerra; a necessidade e a dor move-nos. Um dos exemplos mais belos que eu posso citar é encontrado na figura acima, uma obra de Pablo Picasso, chamada Guernica (Clique na imgem pra visualizar em tamanho grande). A pintura é de uma beleza terrível, retratando o bombardeio sofrido pela cidade espanhola de Guernica em 26 de abril de 1937, por aviões alemães que apoiavam o ditador Franco. O sofrimento causado pela guerra foi o combustível para criação artística de Picasso, assim como foram suas paixões, suas esposas e suas amantes.
Seguindo essa dicotomia, após a guerra ou turbulência os que foram derrotados se vestem de um sentimento, indissolúvel, de tentar mais uma vez sua sorte, cara ou coroa três vezes, melhor de três no zerinho ou um, revanche no baralho; os derrotados são os mais inquietos, e os mais felizes em contraponto. Os vencedores, por sua vez, logo necessitam de outro passatempo, pois a paz é enfadonha, aborrecida, sacal, é muita marola, e pouca onda.  Gostamos de onda, de preferência enorme, impossível de domar, pois no desafio cresce o sentimento dos conquistadores, de se vencer a si próprio, superar a si próprio, vencer aquela corrida, aquela partida de futebol e de conquistar aquela pessoa especial. Isso descarrega ondas de prazer imensas em nosso cérebro, dizendo-nos, como uma mensagem bioquímica, que desafiar, e sobretudo desafiar-nos a nós mesmos, nos é incrivelmente vantajoso. É daí que penso, é evolutivo, é o que nos difere dos antepassados ou ainda de outros animais, não nos basta nascer, crescer, reproduzir e morrer. As aulas de ciência básica para as crianças deveriam mudar essa máxima, passando por cima de suas recorrentes hipocresias. Um modo mais honesto seria: Nascer, crescer, batalhar e morrer. Reproduzir é opcional, ir à batalha não.
E desse modo nossa conversa seguiu por muitos minutos. Esse meu amigo hoje mudou o rumo da vida mirando em outros objetivos, completamente diferentes dos seus iniciais. No caso dele, investir em outra carreira e outros horizontes trouxeram muitas oportunidades de crescimento e me senti orgulhoso e feliz por ele.  Por um momento me veio na mente que deveria fazer o mesmo que ele, e começar do zero e rascunhar tudo de novo, em novos ares, cabeças e pessoas. Porém me assombra a idéia de me sentir vazio, oco e ressonante, quando chegar lá, no novo alvo, no novo objetivo primordial. E assim eu vou adiando um pouco e guerreando comigo mesmo até tornar-se inevitável. A inevitabilidade das mudanças, contudo, é outro assunto, talvez mais complicado que esse. 

segunda-feira, maio 20, 2013

Saudade



Se saudade tivesse nome ela se chamaria você.
Pois você sabe o motivo.
Você sabe que sim, que te sinto.
Você está presente em mim, em todos os milisegundos fragmentados da minha vida.
E andar seria fácil, por você,
Ainda que difícil.
Você está sempre perto e insistentemente.

Você,
Afago ceifado
E suspiro-dos-jardins ao vento.
Você,
Amores malogrados na retina do tempo.

quarta-feira, maio 08, 2013

Fugir é instinto, fingir é humano

“O que você disser, não diga duas vezes.
Encontrando o seu pensamento em outra pessoa: negue-o.
[...] Apague as pegadas”.


Bertold Brecht



Não há ninguém aqui, meu bem, minha querida, fujamos. Sei, claro que sei que não podes. O quê? Quem vem lá? Quem vem lá? Fique tranquila. Estamos bem, só tomando um drinque, estamos cercados de pessoas. É perigoso aqui, eu sei que é. Me dê sua mão. É claro, claro que sei que é inadequado, mas podemos apenas disfarçar? Eles estão vindo aí, é melhor nos separarmos para o bem, veja, cuidado. Me encontre no chafariz, ali à frente. O quê? Vais demorar? Olhe, cuidado com quem falas, e o que falas, se lhe pegam pode ser tarde demais. Disse alguém que estaríamos aqui? É claro que eu não disse a ninguém! Ou tu achas que não mensuro consequências. O amanhã tardará a chegar, precisamos de precaução, precaução e estratégia. Veja, estou indo, não é mais seguro. Vês aquele homem atravessando a rua? cabelo baixo, meio louro, cara de polaco, se chegando... Vá, vá de uma vez. Estou indo-me também.
Embora saiba que ela não vá falar com ele, eu aposto, tão certo como estou dando passos agora que... Ah! bobagens, ande homem, ande. Ninguém pode vê-lo, ninguém. E se acaso encontrar outros e outras no caminho? Apresse-se, vamos. Um pé depois do outro, um pé depois do outro. Olhando pra baixo, olhe pra baixo. Será que é vergonhoso? Será? O que pensas? O que mereço? E tu, como vieste parar aqui? Chafariz, chafariz, chafariz... Mas que merda, tinha que dar essa chuva. Ela não está aqui ainda. Medo mortal que me assombra. Nos assombra. Acho que na verdade lhe assombra mais, não é, não é? Diga-lá, diga por Deus, pelo Diabo!


Onde estavas, ninguém a seguiu? Tens certeza? É, de fato, concordo contigo. É bom e prudente andarmos, andemos. O quê? Quem lhe perguntou isso? Não, claro que não os contei sobre isso. Ainda louco não estou. Mas é melhor mesmo, nem um pio. Boca de siri. Estás ofegante, que sentes?, dor no peito, estás cansada? Eu também, ofego, busco folêgo e a respiração vai rápida, vai sôfrega. Toma, pega um cigarro, deves estar aos nervos. Dobra aqui, nesse beco, dobra aqui, é melhor. Não, é claro que nada vai dar errado. Pula essas poças d’água e não se preocupe com os mendigos, são inofensivos, venha, venha rápido. Oh, meu Deus, caíste! Que acontece? Machucaste o joelho? Estás bem? Já estamos chegando, calma lá. Eu sei que estás cansada, eu também, mas o que podemos fazer, além de fugir, fugir e fugir. O quê? Você está pensando em... Não, é claro que não está pensando nisso. Eles entenderiam? Não sei. E você pode se machucar feio com isso. Eu seguraria na sua mão, como sempre, como sempre. Mas é o que queres? Não... Bom, desconfiava a princípio. Então continuemos, embrenhe aqui nessa escuridão. Tenha coragem, é o único jeito. Pulemos essa grade, pulemos. Ali está um cobertinho, ninguém irá nos ver. O quê? A lâmpada? Me alcançe aquele pedaço de pau. Pronto, resolvido. Não havia outro jeito, tive que estilhaçá-la, é por nosso bem. Venha, chegue mais perto, está chovendo. Tome, vista minha blusa, irá lhe proteger do vento. Não, eu não penso como você, acho que poderíamos sim, sim poderíamos. Mas isso não importa agora. Venha cá, pois preciso tanto de ti. Não há ninguém aqui, estamos seguros, me beija, me beija agora.




quarta-feira, maio 01, 2013

Desinteresse no estado onírico presente nas almas alheias.


Enquanto passava debaixo de uma escada sempre pensava em superstições bobas. As bobagens do mundo atraem demais. É nossa fuga do óbvio. Da obviedade que está logo ali na esquina e não queremos encará-la. A obviedade de que somos poeira, pó, flagelo e desilusão.
Encontrou um gato preto, lindo animal com suas patinhas fofas, aquelas almofadinhas que ficam embaixo de cada “dedo”. Fuça triangular gelada e a língua áspera a se lamber todo. Já logo pensou em mal agouro. O gato branco não traria a mesma impressão.
Andava na rua e a chuva leve caia-lhe sobre os ombros e tilintava em sua fronte. Cada gota que caia sofria o impacto do corpo duro e espalhava-se em mil outras partículas-gotas.  Não, não há beleza nisso, é só a água caindo meu bem. A água que vem de nuvens que parecem confortáveis pra se dormir o sono de uma mente cansada.
Toquei sua mão hoje,  estava morna, nem quente nem fria, não suava, fui lhe dar um afago e escorregar meus dedos em sua palma, mas você veio com um aperto de mão firme e pulso duro, como aqueles que se dão em acordos comerciais.
Por que sentes tanto medo, menina, por que não apenas sermos bons e felizes um pro outro. Por que perder tempo, já estou partindo e talvez sabe-se lá quando volto. E se nem sequer voltar? É a estupidez humana de achar que existe amanhã. O mistério velado do amanhã que causa dores na barriga com uma revoada de passáros farfalhantes.
Sinto-te forte, decidida e derrogada. Enfim, sobre uma máquina fabulosa em formato de animal selvagem, oca por dentro e movida a carvão e vapor estão nossos sonhos. Os sonhos são mutantes e dinâmicos. Eu não a quero. Talvez nunca quis. Te quis muito e talvez mais do que tudo, te quis por perto para aplacar minha loucura e meus devaneios. Te quis leve e te quis mais que uma amiga, para me deleitar em sua boca, para me-te fazer bem.
Subjulgado a formato pré-definido, em casa e aprisionado. Não se aprisiona o ar em um vaso hermético, pois as paredes nunca são seladas o suficiente, e invariavelmente irá difundir pelo desejo de fazer parte do todo, da atmosfera. E ser respirado, ser útil, ser integral.
Quando aquecido por uma chama o ar torna-se menos denso e voa alto, e já nas alturas resfria. Resfriando desce e aquece-se novamente para voar mais uma vez. Denovo e  de novo e novamente, num ciclo infinito.
O calor bom e a leveza. É só isso. Depois se vai, voando solta.
Uma máscara diabólica me sorri como que dizendo “Estás só!”. Eu não me importo, pois enquanto tivermos força, enquanto a terra girar em torno do sol empurrada pelos desejo dos deuses, pela força motriz da manivela inescrupulosa de Atlas, e meu estado ébrio, e minha cabeça esfumaçada pelo vigésimo cigarro seguido, e meus dedos puderem se mover para expurgar meus demônios com a violência das minhas palavras, estarei  em paz.

quinta-feira, abril 04, 2013

Interação humana digitalizada.

Estava sentado em frente a seu computador ouvindo música, com fones de ouvido a prova de som, sentado na sua cadeira de escritório, aquelas com rodinhas e estofado azul. Pela janela via alguns jovens fumando maconha nos bancos da praça. Entendia que aquele ato era quase como que uma aventura pros maconheiros, viajar sem ser pego pela polícia. Estava conectado pela vigésima hora consecutiva no seu perfil de rede social. Social? Vá entender. Encarava aquela atividade como algo normal, como que estar conectado com os seus “amigos” o tempo todo. Certa feita encontrou um amigo na rua, com o qual falava muito pela internet, e a única coisa que disseram foi “Ah, eu vi que você curtiu a foto que eu postei...” “Aham, foda!”. O silêncio brutal tomou conta após isso. A vasta rede de pessoas com as quais estava conectado mal encontrava no seu dia a dia. Perder o contato virtual era difícil. O contato virtual era algo como que encaixotar pessoas que um dia foram importantes, que fizeram-no rir, que abraçara... mas não é assim a vida? Desejou certa feita que fosse possível apertar um dos botões a fim de materializar determinada pessoa de sua rede social, em vão sabia que estava desejando utopias. Tal qual quando, cansado de esperar digitou em um buscador na internet “Onde ela está?”. Buscou também “o que ela está pensando?”. Os milhões de resultados nada correspodiam a sua realidade, porém existia algo doce dentro dele que dizia que em breve tal recurso estaria disponível. “O que passa na mente dela?” BAM, em 0.07 segundos, milhões de resultados, pesquisados diretamente no alvo desejado, extraídos da mente do objeto de seu desejo. Surgiriam páginas e páginas com o conteúdo do tipo “Preciso levar o cachorro na rua” ou “Que tédio, queria que alguém me ligasse” ou ainda “Estou com medo do que irá acontecer, afinal”. Sim, sem sombra de dúvidas existirá um dia que essas tais ferramentas estarão disponíveis. E aí nada mais o impedirá de ser feliz, pois terá acesso irrestrito a todos os segredos mundanos e do interior mais íntimo da alma humana. Terá ainda acesso a informações do tipo “devo eu levar tal situação adiante?”. O mundo virtual terá todas as respostas aos mistérios bobos e frívolos da humanidade e de seus intelectos limitados. Uma vez que tenha olhado uma foto compartilhada na sua página, os comentários mentais feitos acerca da mesma serão instantaneamente registrados e publicados. Tal fato causará um alvoroço e por fim quedará a hipocresia. Falar-se-á de tudo e de todos exatamente o que se pensa, através da manifestação de seus mais sinceros pensamentos. E talvez a mentira acabará, findando o gracejo, o flerte, a amortização, a empatia, sobrando o torpor. Uma máquina esganiçada começará a berrar quando quiserem apagar os registros de seu perfil, pois a coletânea de tais dados possibilitará traçar o seu perfil psicológico auxiliando melhor a venda de produtos direcionados aos seus individuais alvos. E sem perceber entraremos como loucos dentro dos carros a procurar um recanto, isolados do mundo, onde só o eu, o computador e as linhas tênues e invisíveis que nos conectam serão importantes. E o toque, e o velho, e o cheiro, e a camaradagem, e a mentira velada, e a flor sépia do amor, e as tórridas paixões, e os burburinhos quando uma mulher passa, e a fina elegância de um violão tocando Tom, e os livros impressos, e a morte, e os bebês e as crianças, e a sua compania, e o teatro da traição, serão coisas do passado. Enquanto o mundo gira num furacão rumo ao esquecimento.

segunda-feira, abril 01, 2013

Sobre a teoria do flogístico


Olhando os acessos frequentes do meu blog, tenho me deparado com algumas pessoas que entram por aqui, através de uma busca no google sobre “teoria do flogístico” “teoria do flogísto” e similares. Senti a necessidade de escrever brevemente sobre isso, mais como exercício pessoal de saber qual a função desse blog na rede. Na verdade a função dele é muito limitada, uma vez que eu tenho em média 6 acessos por dia (muito ruim, né? Haha). E do total de acessos, quase 30% são de pessoas que encontram meu site por ferramentas de busca on-line, como expliquei brevemente acima. O fato é que, as pessoas que estão a busca do conteúdo sobre a desbancada teoria do flogístico de Stahl, sentem-se em um lugar que aparentemente nada tem a ver com a tal teoria, com textos, curtos e outros mais longos, sobre a vida o universo e tudo mais.
Então vamos por partes. A teoria do flogístico é uma teoria desenvolvida por George Ernst Stahl, por volta de 1650 e alguma coisa, que dizia que todos os corpos combustíveis (leia-se, tudo que pega fogo) eram dotados de um elemento chamado flogísto, que seria liberado ao ar, após sua queima. Os materiais orgânicos exemplificavam muito bem essa teoria, uma vez que quando se queima, por exemplo, uma folha de sulfite, esta se reduz a cinzas (basicamente composta de carbono) de massa muito menor que a original. Entretanto, existia um ponto fora da curva, os metais. Ao submeter diversos tipos de metais a queima estes aumentavam sua massa, ao que hoje se atribui a uma oxidação. O ponto é que os óxidos metálicos possuiam massa maior que seu antecessor. Para explicar tal feito, incluiram na teoria o fato de que os metais possuiam um flogísto que conferia massa negativa quando incorporados, e dessa forma, ao serem liberados com a queima do metal, o que vocês acreditam que aconteceria? Exatamente, o produto da queima, agora sem o flogísto de massa negativa, possuia massa maior. Entendam que esse pensamento, como teoria, era apoiado pela majoritária parte da comunidade científica. É obvio que a teoria possuia falhas, mas na ausência de explicação melhor que lhes valesse, a teoria do flogístico seguiu por muitos anos com crédito. Estamos em 1659, não se esqueçam.
Desbancar uma teoria científica é algo que demanda esforço, dedicação, trabalho insano, criatividade e curiosidade no mundo natural. E normalmente, a nova teoria segue por muito tempo ainda como filha bastarda, renegada e com poucos apoiadores.
O meu blog, ou esse rascunho de blog, versa exatamente sobre este contexto: teorias são, acima de tudo, aproximações da realidade. Exatamente: aproximações. A mais sofisticada teoria, inclusive a mais nova teoria sobre o bóson de Higgs, ou partícula Deus (para os sensacionalistas da catastrofísica), é uma APROXIMAÇÃO de uma realidade ou de um evento natural ou de um sistema. É inútil demandar esforços para saber a natureza última de cada coisa. Qual a natureza última dos gases, estudados desde os meados de 1750? Não há. Não existe pelo simples fato de que os cientistas podem sempre fazer perguntas acerca de algo que já lhes foi explicado. Um bom exemplo foi o desenvolvimento da teoria da mecânica quântica, que começou com evidências desde o efeito fotoelétrico, de Einstein, e da radiação do corpo negro, de Planck, até o desenvolvimento de modelos atômicos de Bohr e, futuramente consolidado por Erwin Shcrodinger e Heinsenberg, entre outros. Isso remete-nos ao fato de que uma teoria, que trata-se da prova experimental de um postulado (idéia) gerada na cabeça de um homem (generéricamente falando, para os sexistas de plantão), é dinâmica e mutável. Ela segue através dos anos como cria de seus idealizadores e se perpetua, caso tenha devida importância. No caso de Stahl, sua teoria foi desbancada por nada mais nada menos que Antoine Lavoisier, considerado por muitos como o pai da química moderna e dono da máxima: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Através dos estudos de Lavoisier descobriu-se um elemento até então oculto as mentes científicas da época, que possuia papel fundamental na combustão de qualquer coisa: o oxigênio. Lavoisier constatou que a combustão de materia orgânica ou a calcinação de metais provinha da interação destes com o oxigênio, presente no ar que respiramos (de brinde ainda surgiu o estudo sobre a importância deste elemento na respiração dos seres vivos).
Esse é o mote do que eu penso sobre a ciência e sobre a interação humana com qualquer coisa. Olhando a foto de capa do meu blog, um grupo de amishes que tive o prazer de fotografar em uma viagem ao Niágara, estão olhando por um binóculo (desses que você põe uma moeda de 25 cents e não ve quase nada). A vista na outra borda do Niágara é a cidade de Ontário, no Canadá, cheia de prédios altíssimos, desenhando um skyline quase futurista. É de fato assim? Não sei, mas é a impressão que se tem olhando deste ângulo. Talvez ainda mais para os amishes, que possuem uma realidade muito diferente da vida ocidental convencional. Outra impressão teríamos se ao invés do binóculo sobrevoassemos a cidade de Ontário em um voô de helicóptero, ou ainda se cruzassemos a fronteira para bater perna do lado de lá. Os pormenores e os detalhes mudariam amiúde nossa impressão inicial e uma nova realidade se criaria. Essa realidade não é estática e sim dinâmica, uma vez que, se por convite de uma empresa, viessemos a morar em Ontário, a trabalho, outra impressão se criaria e assim por diante.
Estamos cercados de exemplos desse tipo. É só pararmos pra pensar. Quantas teorias são desbancadas para dar lugar a algo novo ou apenas uma interpretação mais acurada?
Tá e onde entra a literatura nisso tudo? Nesse contexto, a literatura diverge da ciência em situações diametralmente opostas. A literatura é ficção, invenção da cabeça de um ser, que pode ou não conter fatos verdadeiros, impressões pessoais e afins, porém trata-se de um texto que não necessita comprovação e mais, não remete a expressão individual do autor. A ciência e as suas teorias são FATOS, fatos que passaram por experimentação rigorosa feita por instrumentos e afins. A literatura não pode ser contestada, a teoria sim. A literatura não possui compromisso com a verdade, a teoria sim. A literatura não cumpre propósitos e não pretende deixar o mundo organizado, a teoria em parte sim. A literatura não é porta voz de verdade ou de ideologias, a teoria por vezes é.
Tendo dito isso, é importante salientar que a teoria e a literatura tem em comum uma coisa: Saem da mente humana e de suas interações com o ambiente, filtradas pelo intelecto. Ambas são aproximações da realidade. É claro que os puristas de plantão vão querer minha cabeça neste momento. Porém, entendo que os textos que publico neste blog são uma aproximação da realidade em que eu vivo e absorvo de diversas formas, mas que cada um faça sua própria interpretação. Que cada um os viva de forma diferente e única. Pois assim como na ciência, não existe natureza última de um texto, de uma prosa, de uma poesia. Há quem diga que a placa situada na frente de todos os elevadores com os dizeres “Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado no andar. Lei Nº 9.502, de 11 de Março de 1997” trata-se de literatura. Eu mesmo me indaguei “Por lei, devo verificar que o elevador está no andar antes de entrar? Deus!! Quem fiscalizaria tal absurdo”. Entretanto a lei versa sobre o fato de que todos os prédios que possuem elevador DEVEM possuir tal placa afixada. Pois é, a minha interpretação é a literatura. O que a placa quer dizer, é o fato.
Obrigado, caso alguém tenha lido até aqui. E de agora em diante, espero que os interessados na teoria do flogístico se interessem um pouco também por textos e outras leituras, sobre tudo um pouco.

José Carvalho, Bacharel em química pela Universidade de São Paulo. Atualmente aluno de doutorado na Universidade de São Paulo, pobre e falido, como todo pós-graduando.

sábado, março 30, 2013

Quarta parada.


Começa breve, vem curto e para calmo.
Começa lânguido, começa assim, não para nunca a aflição e a angustia.
Começa rápido, começa turvo, começa lento, sem espaços pra desgostos,
Só saudade.

Envereda por mim, por ti, costurando.
Envereda como uma mão aberta passando em água de rio corrente.
Envereda em tudo que é nosso, e não mais seu e meu, sem motivos de renuncia,
Só cumplicidade.

Continua assim, leve e fraco.
Continua por que sim, continua por querer um abraço de vez-em-quandinho.
Continua com sorvete de amora, com doce e azedume temperando aquele dia que nada expõe,
Só caridade.

E termina carmim, murcho e seco.
Termina romance, termina drama, termina furacão.
Termina como você quiser, terminais conexos, com leveza áspera, navegando nas almas incautas que nada possuem,
Só tempestade.

quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Atricidade

"Os grandes artistas não são os copistas do mundo, são os seus rivais.
André Malraux 


Essa roda viva gira dentro de mim e eu não posso pará-la, como você deseja, como gostaria.
Tirar-me de mim mais uma vez é necessário. E partir. Partir é vital. É visceral, é urgência e não superfície... ilusão.
 Ilusão talvez todos sejamos e eu preciso sair dessa carne, essa carne não presta. Comunicador com o mundo exterior a fim de dissolver alguma angústia.
E que me difere de ti? O que nos difere? Talvez nada além de um bater de um sino que ecôa em minha mente, nada além de alguns fios orgânicos presos em meus pulsos e calcanhares. Talvez nada, a não ser essa névoa roxa, brilhante e etérea, que exalo das minhas narinas quando respiro.
 “Vai pra onde, vai com quem, volta a que horas?”
 “Vou pra longe, vou com muitos, talvez não volte”
Na surdina da noite, o debilitante véu da moral apática se desfaz, eu gozo, no riso, eu choro... Talvez por você?
Os meus lábios coloridos eu vejo atráves de uma fina película metálica refletindo meu rosto. Está na hora. Dois homens sentados, estão de chapéu, mais alguns ao fundo, bem vestidos. Poucas mulheres, conto três. A audiência é esparsa e vaga, composta em sua maioria de homens, alguns com semblante de agonia, ou ciúme. A textura dos tecidos das cortinas tocam meu rosto. É particular a sensação que causam. O cheiro é de piso de madeira e cigarros sem filtro. O silêncio é material. O silêncio então existe.
Não confundam meus amores e meus dias e meus sexos. Me batam na cara, me amem, me amarrem em uma corda e me lançem a dez metros de altura e eu voltarei. Voltarei para dormir em seus sonhos.


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sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Estado Bruto de Solidão


"Com o tempo não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros."
Mario Quintana



“Vamos lá hoje?” Disse ela, baixinho, com uma ansiedade muda.
“Ahn?” Disse ele, atordoado, olhando para tevê algo sem importância em volume bem baixo. “Onde?”
“Você não lembra Arnaldo? Bom deixa pra lá...” Olha as unhas. “Vai fazer o quê hoje?”
“Nada, trabalhar... O de sempre. Mais tarde vou ao banco” O silêncio dura dez minutos.
“Amanhã minha mãe quer que a gente a leve naquele restaurante” Diz ele dando um gole no café já frio.
“Que restaurante, Arnaldo?” A mulher replica sem olhar pro marido.
“Odete, como que restaurante, aquele que a gente se conheçeu... Fantasiando um segredo no ponto onde quer chegar...” Cantarola ele, baixinho.
“Ai Arnaldo, aquela pocilga... Bah, vamos então. Mas eu vou levar o meu próprio papel higiênico. Os de lá são tão finos que molham meus dedos” Diz a mulher levemente contrariada.
“Tá bom.” Responde o homem fazendo cara que estava pensando em algo diferente “Mas e aquele dia, fez um sol de matar, era um sábado... Né, Odete?”
“Ahn?” Após a indagação dela, um novo silêncio, agora de quinze minutos.
“Vai fritar bifes ou façamos o frango assado?”
“Não sei, tu que sabes.” Agora ela está olhando uma revista velha, sentada a mesa. “Melhor algo rápido, mais tarde tenho uma reunião com o João.”
“Bifes então.” Responde automaticamente
“Os seus pais continuam os mesmos, não é Arnaldo?” Diz ela em tom de sarcasmo.
“Sei lá...” Responde, trocando de canal na tevê “Jogão de bola, Palmeiras e Corinthians. Uma vez fomos em um jogo de futebol. Lembra Odete? Você se divertiu horrores. E o Benedito foi junto com a gente. Lembra? ” Diz sorrindo “Você estava toda vaporosa, causando a confusão entre os homens... Ah, estava linda!”
“Benedito morreu, né?” Diz ela seca, sem pesar.
“Morreu, câncer” Responde o homem olhando para os botões do controle remoto.
“Vou fritar os bifes, então” Diz a mulher levantanto-se ligeiramente da cadeira.
Arnaldo se apruma no sofá e afofa uma almofada.
“Ei, Odete, já que estamos aqui sem fazer nada... quer relembrar os velhos tempos do banco de trás do meu opala?” Diz Arnaldo gritando para a mulher na cozinha.
“Ai velho, vai tomar banho. Piadinha agora não. Podia pegar uma vassoura e varrer aquele quintal cheio de merda de cachorro.” Grita a mulher de volta, batendo umas panelas.
“Há, Odete, você é mesmo um máximo. Não muda nunca.” Disse engolindo seco alguma coisa que havia se formado em sua garganta.
Após alguns minutos de tevê quase muda a mulher chega de volta a sala:
“Hoje eu chego tarde, viu?” Disse ela, sem dar importância.
“Eu também” Disse, também sem se importar muito. “Vou ao clube, dominó das quartas-feiras”
“Ahn...” Arrumando o busto no vestido.
“A casa está muito vazia sem os meninos aqui” Diz ele “vamos para um lugar menor?”
“O Albertinho vez em quando ta por aqui, precisamos desse quarto extra” Diz a mulher ajeitando as sobrancelhas olhando em um espelhinho que acabara de tirar da bolsa
“E quando começamos. Lembra? Eramos eu, você em apartamento pequeno. Pintei a casa toda. Lixei os batentes. Enceramos os tacos com cera de carnaúba e colacamos um antúrio na janela” Diz Arnaldo, passando a mão nos cabelos e olhando em um ponto fixo que parecia estar no passado.
“É verdade” Diz a mulher estalando a boca após passar um batom cor marrom “Estou bonita?”
“Claro” Diz Arnaldo.
“Que acha desse meu novo vestido?” Diz despretenciosa.
“É novo? Bonito” Indaga Arnaldo curioso. Na verdade estava sendo educado.
“Os bifes estão na panela, estou de saída...” Diz pegando a bolsa.
“Tá bom” Arnaldo responde quase ao mesmo tempo que Odete.
“Quando eu voltar eu como alguma coisa, se estiver com fome” Diz a mulher.
“Sim” Automaticamente.
Odete beija Arnaldo na fronte.
“Tchau velho”
“Tchau, mulher” diz olhando novamente pra tevê. “Te amo” murmura Arnaldo, bem baixo, depois de Odete já ter batido a porta forte.


Bete balanço by Cazuza on Grooveshark

terça-feira, fevereiro 05, 2013

Por trás de seus detalhes.


Queria estender-lhe a mão e afastar os fios de cabelo que lhes tocam a face, pô-los por detrás de sua orelha para olhar em seus olhos negros, fundos, e entender o que escondes por trás de tantas minúcias. De tantas mãos nervosas e trêmulas, com unhas levemente roídas, fazendo dançar entre os dedos uma chave - seria de sua casa? - queria entender o que se passa por detrás desse profundo rio plácido. As suas águas tenho certeza que transbordam calmas para lhe refletir na face essa mansidão de menina-mulher serena, mas por trás de suas nuanças esconderias tu águas caudalosas e cálidas, turbulentas e de impetuosa paixão que te fraquejariam as pernas e me trepidaria o juízo. E seu juízo, queria compreender por trás dessa tua saia rodada de moça e me emaranhar nela como se me deitasse no campo das flores da qual é composta, para sentir-lhe o cheiro e garantir que minhas mãos entendam sua textura e a gravem em uma memória particular e inacessível. Entenderia melhor seus mecanismos e seus meandros se te possuísse de uma maneira maléfica, a fim de te fazer mal, todo mal que me causas, mas extenuante mal, para que finalmente sua língua deslizando entre os dentes me contasse uma verdade que já desconfiava? E sentiria seu hálito próximo ao meu a me embriagar, em um lânguido pecado com gosto de sal e terra vermelha, e tuas unhas em minhas costas, em meu corpo que almejara em teus mais limpos lençóis, com tua boca mais vermelha a me beijar como se não houvesse amanhã, em tuas pernas montadas como um lindo esquadro - será então que entenderia o que se passa por trás desse espesso véu de secreta cumplicidade quando me olhas? Às suas minúcias jaz, quase invisível, uma aura que a faz emitir calor, porém imperceptível aos tolos.

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Nova capa

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