segunda-feira, agosto 26, 2013

Doce



A luz entrava pela janela, filtrada pelo vidro, composta de uma mistura híbrida entre o luar e as luzes artificiais, fracas e levemente azuladas. As suas ondulações de diferentes naturezas tocam-lhe a pele e imprimem uma certa pressão fazendo com que a resistência da mesma a torne ainda mais profana e ansiando contato. A linha de seu perfil, deitada dessa forma, confunde-se com a de um tipo de animal, o animal humano, exalando uma aura carmim. Inspira vagarosamente o ar como se quisesse sorver molecularmente toda a atmosfera do momento, dentro e fora, dentro e fora, repitidas vezes sem formato de invólucro qualquer. Os olhos, ora semi-cerrados, contrastam com a pupíla dilatada desenhada em círculos concêntricos perfeitos, petrificados, loucos e de doçura, num misto sem proporções fixas e definidas. O leve tremor de seu corpo, quase imperceptível a incauto navegante, denota que adentrei por entre as brumas do desconhecido, desbravo terras rudes e selvagens, que escondem nada além do que queres esconder-me, num mistério rasgado e espesso, que me enlouquece e me excita e me vive. Articuladamente respira pelo corpo, morde minha boca com força e delicadeza, desliza sua língua hábil na minha, enleiando-se numa fúria voraz, ora macia, ora tórrida, ora branda. E aspira-me o torso, como se precisasse guardar minha essência em algum lugar intermediário entre seu pulmão e seu ventre. Os sabores naturais de seu corpo necessitam ser trasferidos quase que osmóticamente para os meus sentidos, e degusto deles e você maléficamente retribui, gemendo baixinho, respirando curto e morrendo devagar. Indocilmente me repele e me afasta para que a força que exerço seja maior e meu corpo pese ainda mais sobre o seu, causando-lhe sensação de submissão conquistada, cedida, permitida nas regras inventadas ali mesmo por nós. Toco-lhe o corpo com devoção e desrespeito, juntos e entrelaçados, e seu quadril move-se por vontade própria, buscando minha mais genuína ereção, composta de desejo e impulso, prestes a lhe causar bem e mal, deixando-te cada vez mais ávida e pulsante. Sinto suas cores, claras e pálidas, levemente brilhantes, e dentro de ti a angustia aumenta e arrefece, espremido pela força de suas coxas, pela combinação meticulosa de nossos movimentos, e acaba em catarse lenta e duradoura, expurgando tudo que te – nos – fazia hesitar, destruindo os véus. E dentro dos seus olhos eu vejo toda malícia que quer me ofereçer, e o mundo que goza-te, que te celebra, é afortunado. Sou grato e desfaleço em ti, e a tua imagem junto a complexos mosaicos coloridos formam um presságio de que recomeçar tudo de novo é necessário, quantas vezes for preciso, pra te matar dentro de mim, só um pouco. Congratulo-a, porém sei no meu mais íntimo que não me lê por completo. E temes, és cauta e diferente, e mulher, um pouco minha ao menos.


Departures N.1 by Dustin O'Halloran on Grooveshark

Um comentário:

Laís Castro disse...

Simplesmente perfeito!

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