segunda-feira, abril 01, 2013

Sobre a teoria do flogístico


Olhando os acessos frequentes do meu blog, tenho me deparado com algumas pessoas que entram por aqui, através de uma busca no google sobre “teoria do flogístico” “teoria do flogísto” e similares. Senti a necessidade de escrever brevemente sobre isso, mais como exercício pessoal de saber qual a função desse blog na rede. Na verdade a função dele é muito limitada, uma vez que eu tenho em média 6 acessos por dia (muito ruim, né? Haha). E do total de acessos, quase 30% são de pessoas que encontram meu site por ferramentas de busca on-line, como expliquei brevemente acima. O fato é que, as pessoas que estão a busca do conteúdo sobre a desbancada teoria do flogístico de Stahl, sentem-se em um lugar que aparentemente nada tem a ver com a tal teoria, com textos, curtos e outros mais longos, sobre a vida o universo e tudo mais.
Então vamos por partes. A teoria do flogístico é uma teoria desenvolvida por George Ernst Stahl, por volta de 1650 e alguma coisa, que dizia que todos os corpos combustíveis (leia-se, tudo que pega fogo) eram dotados de um elemento chamado flogísto, que seria liberado ao ar, após sua queima. Os materiais orgânicos exemplificavam muito bem essa teoria, uma vez que quando se queima, por exemplo, uma folha de sulfite, esta se reduz a cinzas (basicamente composta de carbono) de massa muito menor que a original. Entretanto, existia um ponto fora da curva, os metais. Ao submeter diversos tipos de metais a queima estes aumentavam sua massa, ao que hoje se atribui a uma oxidação. O ponto é que os óxidos metálicos possuiam massa maior que seu antecessor. Para explicar tal feito, incluiram na teoria o fato de que os metais possuiam um flogísto que conferia massa negativa quando incorporados, e dessa forma, ao serem liberados com a queima do metal, o que vocês acreditam que aconteceria? Exatamente, o produto da queima, agora sem o flogísto de massa negativa, possuia massa maior. Entendam que esse pensamento, como teoria, era apoiado pela majoritária parte da comunidade científica. É obvio que a teoria possuia falhas, mas na ausência de explicação melhor que lhes valesse, a teoria do flogístico seguiu por muitos anos com crédito. Estamos em 1659, não se esqueçam.
Desbancar uma teoria científica é algo que demanda esforço, dedicação, trabalho insano, criatividade e curiosidade no mundo natural. E normalmente, a nova teoria segue por muito tempo ainda como filha bastarda, renegada e com poucos apoiadores.
O meu blog, ou esse rascunho de blog, versa exatamente sobre este contexto: teorias são, acima de tudo, aproximações da realidade. Exatamente: aproximações. A mais sofisticada teoria, inclusive a mais nova teoria sobre o bóson de Higgs, ou partícula Deus (para os sensacionalistas da catastrofísica), é uma APROXIMAÇÃO de uma realidade ou de um evento natural ou de um sistema. É inútil demandar esforços para saber a natureza última de cada coisa. Qual a natureza última dos gases, estudados desde os meados de 1750? Não há. Não existe pelo simples fato de que os cientistas podem sempre fazer perguntas acerca de algo que já lhes foi explicado. Um bom exemplo foi o desenvolvimento da teoria da mecânica quântica, que começou com evidências desde o efeito fotoelétrico, de Einstein, e da radiação do corpo negro, de Planck, até o desenvolvimento de modelos atômicos de Bohr e, futuramente consolidado por Erwin Shcrodinger e Heinsenberg, entre outros. Isso remete-nos ao fato de que uma teoria, que trata-se da prova experimental de um postulado (idéia) gerada na cabeça de um homem (generéricamente falando, para os sexistas de plantão), é dinâmica e mutável. Ela segue através dos anos como cria de seus idealizadores e se perpetua, caso tenha devida importância. No caso de Stahl, sua teoria foi desbancada por nada mais nada menos que Antoine Lavoisier, considerado por muitos como o pai da química moderna e dono da máxima: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Através dos estudos de Lavoisier descobriu-se um elemento até então oculto as mentes científicas da época, que possuia papel fundamental na combustão de qualquer coisa: o oxigênio. Lavoisier constatou que a combustão de materia orgânica ou a calcinação de metais provinha da interação destes com o oxigênio, presente no ar que respiramos (de brinde ainda surgiu o estudo sobre a importância deste elemento na respiração dos seres vivos).
Esse é o mote do que eu penso sobre a ciência e sobre a interação humana com qualquer coisa. Olhando a foto de capa do meu blog, um grupo de amishes que tive o prazer de fotografar em uma viagem ao Niágara, estão olhando por um binóculo (desses que você põe uma moeda de 25 cents e não ve quase nada). A vista na outra borda do Niágara é a cidade de Ontário, no Canadá, cheia de prédios altíssimos, desenhando um skyline quase futurista. É de fato assim? Não sei, mas é a impressão que se tem olhando deste ângulo. Talvez ainda mais para os amishes, que possuem uma realidade muito diferente da vida ocidental convencional. Outra impressão teríamos se ao invés do binóculo sobrevoassemos a cidade de Ontário em um voô de helicóptero, ou ainda se cruzassemos a fronteira para bater perna do lado de lá. Os pormenores e os detalhes mudariam amiúde nossa impressão inicial e uma nova realidade se criaria. Essa realidade não é estática e sim dinâmica, uma vez que, se por convite de uma empresa, viessemos a morar em Ontário, a trabalho, outra impressão se criaria e assim por diante.
Estamos cercados de exemplos desse tipo. É só pararmos pra pensar. Quantas teorias são desbancadas para dar lugar a algo novo ou apenas uma interpretação mais acurada?
Tá e onde entra a literatura nisso tudo? Nesse contexto, a literatura diverge da ciência em situações diametralmente opostas. A literatura é ficção, invenção da cabeça de um ser, que pode ou não conter fatos verdadeiros, impressões pessoais e afins, porém trata-se de um texto que não necessita comprovação e mais, não remete a expressão individual do autor. A ciência e as suas teorias são FATOS, fatos que passaram por experimentação rigorosa feita por instrumentos e afins. A literatura não pode ser contestada, a teoria sim. A literatura não possui compromisso com a verdade, a teoria sim. A literatura não cumpre propósitos e não pretende deixar o mundo organizado, a teoria em parte sim. A literatura não é porta voz de verdade ou de ideologias, a teoria por vezes é.
Tendo dito isso, é importante salientar que a teoria e a literatura tem em comum uma coisa: Saem da mente humana e de suas interações com o ambiente, filtradas pelo intelecto. Ambas são aproximações da realidade. É claro que os puristas de plantão vão querer minha cabeça neste momento. Porém, entendo que os textos que publico neste blog são uma aproximação da realidade em que eu vivo e absorvo de diversas formas, mas que cada um faça sua própria interpretação. Que cada um os viva de forma diferente e única. Pois assim como na ciência, não existe natureza última de um texto, de uma prosa, de uma poesia. Há quem diga que a placa situada na frente de todos os elevadores com os dizeres “Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado no andar. Lei Nº 9.502, de 11 de Março de 1997” trata-se de literatura. Eu mesmo me indaguei “Por lei, devo verificar que o elevador está no andar antes de entrar? Deus!! Quem fiscalizaria tal absurdo”. Entretanto a lei versa sobre o fato de que todos os prédios que possuem elevador DEVEM possuir tal placa afixada. Pois é, a minha interpretação é a literatura. O que a placa quer dizer, é o fato.
Obrigado, caso alguém tenha lido até aqui. E de agora em diante, espero que os interessados na teoria do flogístico se interessem um pouco também por textos e outras leituras, sobre tudo um pouco.

José Carvalho, Bacharel em química pela Universidade de São Paulo. Atualmente aluno de doutorado na Universidade de São Paulo, pobre e falido, como todo pós-graduando.

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