"Com o tempo não
vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns
dos outros."
Mario Quintana
“Vamos lá hoje?” Disse ela, baixinho, com uma ansiedade
muda.
“Ahn?” Disse ele, atordoado, olhando para tevê algo sem
importância em volume bem baixo. “Onde?”
“Você não lembra Arnaldo? Bom deixa pra lá...” Olha as
unhas. “Vai fazer o quê hoje?”
“Nada, trabalhar... O de sempre. Mais tarde vou ao banco” O
silêncio dura dez minutos.
“Amanhã minha mãe quer que a gente a leve naquele restaurante”
Diz ele dando um gole no café já frio.
“Que restaurante, Arnaldo?” A mulher replica sem olhar pro
marido.
“Odete, como que restaurante, aquele que a gente se
conheçeu... Fantasiando um segredo no
ponto onde quer chegar...” Cantarola ele, baixinho.
“Ai Arnaldo, aquela pocilga... Bah, vamos então. Mas eu vou
levar o meu próprio papel higiênico. Os de lá são tão finos que molham meus
dedos” Diz a mulher levemente contrariada.
“Tá bom.” Responde o homem fazendo cara que estava pensando
em algo diferente “Mas e aquele dia, fez um sol de matar, era um sábado... Né,
Odete?”
“Ahn?” Após a indagação dela, um novo silêncio, agora de
quinze minutos.
“Vai fritar bifes ou façamos o frango assado?”
“Não sei, tu que sabes.” Agora ela está olhando uma revista
velha, sentada a mesa. “Melhor algo rápido, mais tarde tenho uma reunião com o
João.”
“Bifes então.” Responde automaticamente
“Os seus pais continuam os mesmos, não é Arnaldo?” Diz ela em
tom de sarcasmo.
“Sei lá...” Responde, trocando de canal na tevê “Jogão de
bola, Palmeiras e Corinthians. Uma vez fomos em um jogo de futebol. Lembra
Odete? Você se divertiu horrores. E o Benedito foi junto com a gente. Lembra? ”
Diz sorrindo “Você estava toda vaporosa, causando a confusão entre os homens...
Ah, estava linda!”
“Benedito morreu, né?” Diz ela seca, sem pesar.
“Morreu, câncer” Responde o homem olhando para os botões do
controle remoto.
“Vou fritar os bifes, então” Diz a mulher levantanto-se
ligeiramente da cadeira.
Arnaldo se apruma no sofá e afofa uma almofada.
“Ei, Odete, já que estamos aqui sem fazer nada... quer
relembrar os velhos tempos do banco de trás do meu opala?” Diz Arnaldo gritando
para a mulher na cozinha.
“Ai velho, vai tomar banho. Piadinha agora não. Podia pegar
uma vassoura e varrer aquele quintal cheio de merda de cachorro.” Grita a
mulher de volta, batendo umas panelas.
“Há, Odete, você é mesmo um máximo. Não muda nunca.” Disse
engolindo seco alguma coisa que havia se formado em sua garganta.
Após alguns minutos de tevê quase muda a mulher chega de
volta a sala:
“Hoje eu chego tarde, viu?” Disse ela, sem dar importância.
“Eu também” Disse, também sem se importar muito. “Vou ao
clube, dominó das quartas-feiras”
“Ahn...” Arrumando o busto no vestido.
“A casa está muito vazia sem os meninos aqui” Diz ele “vamos
para um lugar menor?”
“O Albertinho vez em quando ta por aqui, precisamos desse
quarto extra” Diz a mulher ajeitando as sobrancelhas olhando em um espelhinho
que acabara de tirar da bolsa
“E quando começamos. Lembra? Eramos eu, você em apartamento
pequeno. Pintei a casa toda. Lixei os batentes. Enceramos os tacos com cera de
carnaúba e colacamos um antúrio na janela” Diz Arnaldo, passando a mão nos
cabelos e olhando em um ponto fixo que parecia estar no passado.
“É verdade” Diz a mulher estalando a boca após passar um
batom cor marrom “Estou bonita?”
“Claro” Diz Arnaldo.
“Que acha desse meu novo vestido?” Diz despretenciosa.
“É novo? Bonito” Indaga Arnaldo curioso. Na verdade estava
sendo educado.
“Os bifes estão na panela, estou de saída...” Diz pegando a
bolsa.
“Tá bom” Arnaldo responde quase ao mesmo tempo que Odete.
“Quando eu voltar eu como alguma coisa, se estiver com fome”
Diz a mulher.
“Sim” Automaticamente.
Odete beija Arnaldo na fronte.
“Tchau velho”
“Tchau, mulher” diz olhando novamente pra tevê. “Te amo”
murmura Arnaldo, bem baixo, depois de Odete já ter batido a porta forte.
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