quinta-feira, maio 23, 2013

Sobre estados de transitoriedade evolutivos.



Tudo começou com uma conversa despretensiosa entre eu e um grande amigo, enquanto tomávamos uma cerveja, e falávamos sobre a vida e coisas do tipo. Era um dia de grandes conquistas, pelo menos para esse amigo meu. Essa conversa despretensiosa era sobre o estado transitório, ou seja, não permanente, da paz e da calmaria nas pessoas do mundo moderno. Parece chato para uma conversa entre amigos, e talvez seja mesmo, mas as vezes odiar o mundo por algumas horas e duvidar de todas suas crenças e certezas, tomando algum álcool de preferência, nos faz sentir melhores para seguir adiante. Pois bem, não divergindo do assunto, estávamos falando sobre a paz, e lhe garanto, como garanti ao meu amigo em nossa conversa, que o ser humano não busca paz, e por vezes até a rejeita ou adia. Isso causou-lhe uma certa perplexidade, que pediu mais explicações, pois como não haveríamos de buscar a paz, se esta traria igualdade, sem vítimas de guerra e sobretudo com oferta de recursos a todos. Eu lhe disse que devemos pensar no ser humano como ser inquieto e pensante. O ser humano é único bicho que se exercita por conta própria, enfrentando academias lotadas, e ainda por cima pagando por isso, apenas para melhorar a aparência. O ser humano possui diversos passatempos, filmes, teatro, jogos, cartas, videogames, internet, redes sociais, sexo recreativo, imaginação, que em parte atenua o tédio das nossas existências. Porém, quando esse tédio chega a níveis alarmantes, o ser humano precisa perturbar o ambiente, causar intriga, irritar, provocar e agredir, sem nenhuma outra razão a não ser espantar a pasmaceira, mudar o cenário da quietude, varrer a estagnação. E com isso fazemos surgir o risco e conseguimos dias de mais aventura. Como já dizia Eça de Queiroz “É a paz que, dando os vagares da imaginação - causa as impaciências do desejo”. E, de fato, isso pra mim é um mantra e já foi repetido muitas vezes anteriormente por diversos pensadores de grande porte como Vergílio Ferreira e Dostoiévski. Porém, me intriga em fazer uma conexão deste comportamento com a própria evolução da espécie humana. Vejamos um claro exemplo, se o desejo mais interior do ser humano não fosse a guerra, não teríamos ambições, o mundo seria um único império, e ouso a dizer que grandes impérios nunca seriam desfeitos, pois da inquietação e do desafio vem a quebra do jugo da escravidão e dos cabrestos e dos tabus. A paz é estado ilusório, ela não existe de fato; existe como conceito ou ainda como algo a ser alcançado, conquistado, como um Éden, sentar num morro verde ao lado de um cão alegre e olhando o céu azul, balançar na rede e sentir a natureza beijando-nos a face. A paz é para ser conquistada. E uma vez conquistada o que vocês acreditam que acontece levando em consideração nossa natureza? Nós não gostamos de conquista, mas de conquistar. E logo em seguida, outra guerra perturba-nos a alma. Não seria então um estado evolutivo de todos nós de buscarmos sempre a própria degradação para ressurgirmos melhores, mais adaptados, mais pensantes, mais agudos, com mais recursos. Sem a nossa inquietação nada seria como é, não teríamos os grandes prédios, as grandes construções, as revoluções de classe e de credo e das raças, não teríamos as grandes paixões, os furtivos adultérios, e não se entenderia o poder libertador de se encontar miserável e ainda assim buscar dias melhores. Inclusive nas áreas das artes e das ciências, as grandes produções e descobertas advém de um periodo de guerra ou pós-guerra; a necessidade e a dor move-nos. Um dos exemplos mais belos que eu posso citar é encontrado na figura acima, uma obra de Pablo Picasso, chamada Guernica (Clique na imgem pra visualizar em tamanho grande). A pintura é de uma beleza terrível, retratando o bombardeio sofrido pela cidade espanhola de Guernica em 26 de abril de 1937, por aviões alemães que apoiavam o ditador Franco. O sofrimento causado pela guerra foi o combustível para criação artística de Picasso, assim como foram suas paixões, suas esposas e suas amantes.
Seguindo essa dicotomia, após a guerra ou turbulência os que foram derrotados se vestem de um sentimento, indissolúvel, de tentar mais uma vez sua sorte, cara ou coroa três vezes, melhor de três no zerinho ou um, revanche no baralho; os derrotados são os mais inquietos, e os mais felizes em contraponto. Os vencedores, por sua vez, logo necessitam de outro passatempo, pois a paz é enfadonha, aborrecida, sacal, é muita marola, e pouca onda.  Gostamos de onda, de preferência enorme, impossível de domar, pois no desafio cresce o sentimento dos conquistadores, de se vencer a si próprio, superar a si próprio, vencer aquela corrida, aquela partida de futebol e de conquistar aquela pessoa especial. Isso descarrega ondas de prazer imensas em nosso cérebro, dizendo-nos, como uma mensagem bioquímica, que desafiar, e sobretudo desafiar-nos a nós mesmos, nos é incrivelmente vantajoso. É daí que penso, é evolutivo, é o que nos difere dos antepassados ou ainda de outros animais, não nos basta nascer, crescer, reproduzir e morrer. As aulas de ciência básica para as crianças deveriam mudar essa máxima, passando por cima de suas recorrentes hipocresias. Um modo mais honesto seria: Nascer, crescer, batalhar e morrer. Reproduzir é opcional, ir à batalha não.
E desse modo nossa conversa seguiu por muitos minutos. Esse meu amigo hoje mudou o rumo da vida mirando em outros objetivos, completamente diferentes dos seus iniciais. No caso dele, investir em outra carreira e outros horizontes trouxeram muitas oportunidades de crescimento e me senti orgulhoso e feliz por ele.  Por um momento me veio na mente que deveria fazer o mesmo que ele, e começar do zero e rascunhar tudo de novo, em novos ares, cabeças e pessoas. Porém me assombra a idéia de me sentir vazio, oco e ressonante, quando chegar lá, no novo alvo, no novo objetivo primordial. E assim eu vou adiando um pouco e guerreando comigo mesmo até tornar-se inevitável. A inevitabilidade das mudanças, contudo, é outro assunto, talvez mais complicado que esse. 

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...