“O que você disser, não diga duas vezes.
Encontrando o seu pensamento em outra pessoa: negue-o.
[...] Apague as pegadas”.
Bertold Brecht
Encontrando o seu pensamento em outra pessoa: negue-o.
[...] Apague as pegadas”.
Bertold Brecht

Não há ninguém aqui, meu bem, minha querida, fujamos. Sei,
claro que sei que não podes. O quê? Quem vem lá? Quem vem lá? Fique tranquila.
Estamos bem, só tomando um drinque, estamos cercados de pessoas. É perigoso
aqui, eu sei que é. Me dê sua mão. É claro, claro que sei que é inadequado, mas
podemos apenas disfarçar? Eles estão vindo aí, é melhor nos separarmos para o
bem, veja, cuidado. Me encontre no chafariz, ali à frente. O quê? Vais demorar?
Olhe, cuidado com quem falas, e o que falas, se lhe pegam pode ser tarde
demais. Disse alguém que estaríamos aqui? É claro que eu não disse a ninguém!
Ou tu achas que não mensuro consequências. O amanhã tardará a chegar,
precisamos de precaução, precaução e estratégia. Veja, estou indo, não é mais
seguro. Vês aquele homem atravessando a rua? cabelo baixo, meio louro, cara de
polaco, se chegando... Vá, vá de uma vez. Estou indo-me também.
Embora saiba que ela não vá falar com ele, eu aposto, tão
certo como estou dando passos agora que... Ah! bobagens, ande homem, ande.
Ninguém pode vê-lo, ninguém. E se acaso encontrar outros e outras no caminho?
Apresse-se, vamos. Um pé depois do outro, um pé depois do outro. Olhando pra
baixo, olhe pra baixo. Será que é vergonhoso? Será? O que pensas? O que mereço?
E tu, como vieste parar aqui? Chafariz, chafariz, chafariz... Mas que merda,
tinha que dar essa chuva. Ela não está aqui ainda. Medo mortal que me assombra.
Nos assombra. Acho que na verdade lhe assombra mais, não é, não é? Diga-lá,
diga por Deus, pelo Diabo!
Onde estavas, ninguém a
seguiu? Tens certeza? É, de fato, concordo contigo. É bom e prudente andarmos,
andemos. O quê? Quem lhe perguntou isso? Não, claro que não os contei sobre
isso. Ainda louco não estou. Mas é melhor mesmo, nem um pio. Boca de siri.
Estás ofegante, que sentes?, dor no peito, estás cansada? Eu também, ofego,
busco folêgo e a respiração vai rápida, vai sôfrega. Toma, pega um cigarro,
deves estar aos nervos. Dobra aqui, nesse beco, dobra aqui, é melhor. Não, é
claro que nada vai dar errado. Pula essas poças d’água e não se preocupe com os
mendigos, são inofensivos, venha, venha rápido. Oh, meu Deus, caíste! Que
acontece? Machucaste o joelho? Estás bem? Já estamos chegando, calma lá. Eu sei
que estás cansada, eu também, mas o que podemos fazer, além de fugir, fugir e
fugir. O quê? Você está pensando em... Não, é claro que não está pensando nisso.
Eles entenderiam? Não sei. E você pode se machucar feio com isso. Eu seguraria
na sua mão, como sempre, como sempre. Mas é o que queres? Não... Bom,
desconfiava a princípio. Então continuemos, embrenhe aqui nessa escuridão.
Tenha coragem, é o único jeito. Pulemos essa grade, pulemos. Ali está um
cobertinho, ninguém irá nos ver. O quê? A lâmpada? Me alcançe aquele pedaço de
pau. Pronto, resolvido. Não havia outro jeito, tive que estilhaçá-la, é por
nosso bem. Venha, chegue mais perto, está chovendo. Tome, vista minha blusa, irá
lhe proteger do vento. Não, eu não penso como você, acho que poderíamos sim,
sim poderíamos. Mas isso não importa agora. Venha cá, pois preciso tanto de ti.
Não há ninguém aqui, estamos seguros, me beija, me beija agora.
Ouvindo: Piano bar - Engenheiros do Hawaii
Nenhum comentário:
Postar um comentário