Enquanto passava debaixo de uma escada sempre pensava em
superstições bobas. As bobagens do mundo atraem demais. É nossa fuga do óbvio.
Da obviedade que está logo ali na esquina e não queremos encará-la. A obviedade
de que somos poeira, pó, flagelo e desilusão.
Encontrou um gato preto, lindo animal com suas patinhas
fofas, aquelas almofadinhas que ficam embaixo de cada “dedo”. Fuça triangular
gelada e a língua áspera a se lamber todo. Já logo pensou em mal agouro. O gato
branco não traria a mesma impressão.
Andava na rua e a chuva leve caia-lhe sobre os ombros e
tilintava em sua fronte. Cada gota que caia sofria o impacto do corpo duro e
espalhava-se em mil outras partículas-gotas.
Não, não há beleza nisso, é só a água caindo meu bem. A água que vem de
nuvens que parecem confortáveis pra se dormir o sono de uma mente cansada.
Toquei sua mão hoje,
estava morna, nem quente nem fria, não suava, fui lhe dar um afago e
escorregar meus dedos em sua palma, mas você veio com um aperto de mão firme e
pulso duro, como aqueles que se dão em acordos comerciais.
Por que sentes tanto medo, menina, por que não apenas sermos
bons e felizes um pro outro. Por que perder tempo, já estou partindo e talvez
sabe-se lá quando volto. E se nem sequer voltar? É a estupidez humana de achar
que existe amanhã. O mistério velado do amanhã que causa dores na barriga com
uma revoada de passáros farfalhantes.
Sinto-te forte, decidida e derrogada. Enfim, sobre uma
máquina fabulosa em formato de animal selvagem, oca por dentro e movida a
carvão e vapor estão nossos sonhos. Os sonhos são mutantes e dinâmicos. Eu não
a quero. Talvez nunca quis. Te quis muito e talvez mais do que tudo, te quis
por perto para aplacar minha loucura e meus devaneios. Te quis leve e te quis
mais que uma amiga, para me deleitar em sua boca, para me-te fazer bem.
Subjulgado a formato pré-definido, em casa e aprisionado. Não
se aprisiona o ar em um vaso hermético, pois as paredes nunca são seladas o
suficiente, e invariavelmente irá difundir pelo desejo de fazer parte do todo,
da atmosfera. E ser respirado, ser útil, ser integral.
Quando aquecido por uma chama o ar torna-se menos denso e
voa alto, e já nas alturas resfria. Resfriando desce e aquece-se novamente para
voar mais uma vez. Denovo e de novo e
novamente, num ciclo infinito.
O calor bom e a leveza. É só isso. Depois se vai, voando
solta.
Uma máscara diabólica me sorri como que dizendo “Estás só!”.
Eu não me importo, pois enquanto tivermos força, enquanto a terra girar em
torno do sol empurrada pelos desejo dos deuses, pela força motriz da manivela
inescrupulosa de Atlas, e meu estado ébrio, e minha cabeça esfumaçada pelo
vigésimo cigarro seguido, e meus dedos puderem se mover para expurgar meus
demônios com a violência das minhas palavras, estarei em paz.
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