
A luz entrava pela janela, filtrada pelo vidro,
composta de uma mistura híbrida entre o luar e as luzes artificiais, fracas e
levemente azuladas. As suas ondulações de diferentes naturezas tocam-lhe a pele
e imprimem uma certa pressão fazendo com que a resistência da mesma a torne
ainda mais profana e ansiando contato. A linha de seu perfil, deitada dessa
forma, confunde-se com a de um tipo de animal, o animal humano, exalando uma
aura carmim. Inspira vagarosamente o ar como se quisesse sorver molecularmente
toda a atmosfera do momento, dentro e fora, dentro e fora, repitidas vezes sem
formato de invólucro qualquer. Os olhos, ora semi-cerrados, contrastam com a
pupíla dilatada desenhada em círculos concêntricos perfeitos, petrificados,
loucos e de doçura, num misto sem proporções fixas e definidas. O leve tremor
de seu corpo, quase imperceptível a incauto navegante, denota que adentrei por
entre as brumas do desconhecido, desbravo terras rudes e selvagens, que
escondem nada além do que queres esconder-me, num mistério rasgado e espesso,
que me enlouquece e me excita e me vive. Articuladamente respira pelo corpo,
morde minha boca com força e delicadeza, desliza sua língua hábil na minha,
enleiando-se numa fúria voraz, ora macia, ora tórrida, ora branda. E aspira-me
o torso, como se precisasse guardar minha essência em algum lugar intermediário
entre seu pulmão e seu ventre. Os sabores naturais de seu corpo necessitam ser
trasferidos quase que osmóticamente para os meus sentidos, e degusto deles e
você maléficamente retribui, gemendo baixinho, respirando curto e morrendo
devagar. Indocilmente me repele e me afasta para que a força que exerço seja
maior e meu corpo pese ainda mais sobre o seu, causando-lhe sensação de
submissão conquistada, cedida, permitida nas regras inventadas ali mesmo por
nós. Toco-lhe o corpo com devoção e desrespeito, juntos e entrelaçados, e seu
quadril move-se por vontade própria, buscando minha mais genuína ereção, composta
de desejo e impulso, prestes a lhe causar bem e mal, deixando-te cada vez mais
ávida e pulsante. Sinto suas cores, claras e pálidas, levemente brilhantes, e dentro
de ti a angustia aumenta e arrefece, espremido pela força de suas coxas, pela
combinação meticulosa de nossos movimentos, e acaba em catarse lenta e duradoura,
expurgando tudo que te – nos – fazia hesitar, destruindo os véus. E dentro dos
seus olhos eu vejo toda malícia que quer me ofereçer, e o mundo que goza-te, que
te celebra, é afortunado. Sou grato e desfaleço em ti, e a tua imagem junto a
complexos mosaicos coloridos formam um presságio de que recomeçar tudo de novo
é necessário, quantas vezes for preciso, pra te matar dentro de mim, só um
pouco. Congratulo-a, porém sei no meu mais íntimo que não me lê por completo. E
temes, és cauta e diferente, e mulher, um pouco minha ao menos.