sexta-feira, maio 14, 2010

Demonstrações Grotescas de Afeto

Dormiu. Sonhou com coisas idílicas, lindas e leves. Conversas num pé de morro verde. Com casinhas de interior. Com mãos dadas e olhares cúmplices.
Acordou. O inferno era lá. Descontentou-se com meras bobagens. Distraiu-se do ponto de foco. Brigou e amargurou.
Dormiu. Sonhou que estava lá, ao seu lado. Na beira de uma piscina. Tomando um sorvete que tinha um gosto estranho. Os sorrisos pairavam no ar. Correram para o infinito.
Acordou. Sentiu-se sujo, usado, descartado. Vil, malvado. Machucado. Angustiou uma volta de que, inconscientemente, sabia de cor-e-salteado o desfecho. Esperou em Deus, em Alá... em qualquer coisa que lhe trouxesse paz.
Dormiu. Novamente estava lá. E nada do seu dia fazia mais sentido. Só estar ali significava. Dessa vez o cenário – que de fato era o que menos importava – era uma estrada com marquise que ele bem conhecia. As mãos estavam dadas ainda. E mais risos. E um breve “te amo” entre os lábios.
Acordou. E tudo continuava a ser como antes. O fingimento veio a tona. Sorriu de canto de boca. Chorou.
Dormiu de novo. E dessa vez estava sentado numa nuvem. Grande e fofa. “O que passa na sua cabeça quando escreve, se eu soubesse te entenderia melhor”.
“Eu não sei, meu bem, eu não sei”
Foi acordado pelo despertador alvoroçado. Desligou-o. A saudade o fazia suar frio. E aquele sentimento de culpa, culpado, c-u-l-p-a-d-o. Que sentimento infeliz de querer voltar a dormir a qualquer custo e retomar do ponto onde estava. Exatamente do ponto em que se perderam.
Dormiu novamente. E dessa vez procurou-a em todos os recônditos de sua mente, que era toda coração agora. Ouviu-lhe só a voz dizendo coisas que não formavam sentido, mas era doce e bela. Procurou mais um pouco. Sentou. Chorou e percebeu que o choro sonhado dói mais que o consciente, por que a lágrima não arrefece, tampouco acalanta a dor. É só o nó na garganta e desespero. Quis acordar mais que tudo na vida. Ainda permaneceu sonhando e viu um vulto vagando levemente com uma saia rodada e cabelos ao vento.
Acordou. Recebeu conselhos. Uns frios, outros duros, outros menos duros e otimistas. Mas nada fazia sentido. Não queria ser aquele tipo de homem. Queria querê-la, pois mesmo que o matasse, o vivia. Dava-lhe vida.
Dormiu. E compôs num misto de sentimentos outra realidade. Onde ele não espera que as portas abram ela entre, que um carro pare em frente à sua casa. Que seja surpreendido num domingo de manhã. Nem numa sexta-feira à noite. Onde os telefones realmente não tocam, nem ninguém se faz presente, só passado. Alto lá: estava dormindo ou estava acordado. Nem sabia mais. Que desatino.
E na sua alma esperava apenas ouvir algo que não era vaidade, nem ego. Só a pureza de um enleio, que dura um átimo de tempo infinito e ninguém conhece sua natureza, ninguém a prende, nem a armazena. A pureza de um som que vem de dentro e reverbera na face. A pureza de um olhar que nada teme, e que despreza o mal. A pureza que poucas vezes percebemos ou nos damos conta. Por vezes até a descartamos, julgando-a infanti ou impúbere. Essa pureza imaterial que alguns tolos, apesar de desconhecer todos os mistérios, ousaram chamar de amor.

4 comentários:

amanda alves de andrade e aguiar disse...

muito bom, muito bom, muito bom.

a_redonda disse...

Fantástico!!! Tudo!!!

"Acordou. O inferno era lá. Descontentou-se com meras bobagens. Distraiu-se do ponto de foco. Brigou e amargurou."

Jude Araujo disse...

Poxa, adoreiii o texto!

Parabéns!

Juju disse...

Definitivamente, é o seu melhor texto! Orgulhosa demais.

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