sexta-feira, março 23, 2012

Me de a mão e podemos ir para lua


Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

- Fernando Pessoa

Naquele dia escuro de quinta-feira tudo parecia diferente, mas na verdade as coisas eram iguais. As coisas eram iguais, vejam bem, as coisas. Por que por num instante as coisas podem ser iguais, o computador batendo as teclas e fazendo o som moroso, as pessoas indo e vindo, o farfalhar do lápis no papel, o som do ar condicionado, e lá fora o som do ensurdecedor do silêncio batendo na folhagem, que balaçava novamente, em paz. Tudo igual. Mas por dentro, processos interiores não são lineares, não seguiam regras fixas e não o obedeciam naquele dia. A perseguição por algo que ele nem sabia o que era, atropelou na estrada e deixou desfigurado no chão, seguindo sem rumo achando que iria escapar impune, havia chegado ao fim. E quando olhou para trás viu rostos muito estranhamente familiares, como num filme antigo, em preto e branco, muitas vezes mudo. Ele não conseguia tocar, apenas ver. Estava distante e sabia que era o momento da travessia. Entretanto, tinha em mente ainda tantas coisas vivas e fervilhantes que pareciam ter acordado agora. E ainda sim podia saber que a vida, sabe-se lá por que, tem rumos esguios. As deliciosas lembranças que teve durante toda manhã ele saboreou feito criança, comendo fruta no pé. Rindo só. Mas foi só, por que os processo internos são internos, e assim foi. “Me de mão e podemos ir para lua” ele queria dizer - utopia. O porto de Palos era logo ali, e estava com o pé no seu próprio convés, virando a popa para onde sentia mais medo naquele momento. A vontade de dizer palavras que soassem como fortes abraços naquele momento era grande, mas naquele momento talvez falar não fosse mais necessário, e nem mais Demócrito, nem Leucípo, nem mais merda nenhuma. De repente, um sorriso valsou ar no fim da noite e ele foi feliz ali.
“Boa sorte amigos, apenas começamos”

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